A genialidade


''Quem conseguir olhar para Michael Jackson livre de conceitos e preconceitos dificilmente não sentirá a genialidade de sua obra. Por que esse moço é um dos mais importantes artistas contemporâneos? Na era do descartável, o que o torna há tanto tempo tão fascinante e sedutor? Num mundo com milhares de artistas, por que justo ele é Michael Jackson?

Talento, aplicação e brilho: esse é o seu tridente demoníaco. Michael é um mito parido pela música que jamais cortou seu cordão umbilical. Por ela rompeu com o meio, mergulhando num longo e louco caso de amor, fundindo em si obra, criador e criatura - todos num só. Essa entidade desafia o tempo numa longevidade artística jamais vista no cenário contemporâneo. Seu patrão o prestigia e não pensa em substitui-lo nem demiti-lo. Seu patrão é o público, há 25 anos.

Atacar um artista como Michael Jackson pode ser mais interessante do que vislumbrar sua obra? Creio que não. Ficar contando plásticas é coisa de vizinha desocupada. Vamos nos libertar do vício de falar mal, de praguejar, de ser sarcástico; sejamos o abutre do abutre do homem.

É possível fazer piada com qualquer coisa, ser sarcástico com tudo que quisermos. Agora, quem ganha com isso?

Interpretar Michael é observar nosso tempo, decifrar a nós mesmos. Acho inconseqüente e leviano abordar um mito contemporâneo - ou qualquer outro assunto - sempre pelo prisma do ódio, da intolerância. É impossível enxergar a arte pela ótica do preconceito. Ser despreconceituoso no almoço de domingo e racista na segunda-feira me soa tão falso quanto fazer promessa em campanha já sabendo que, depois de eleito, dará as costas a quem não 'interessar'. Onde está a aplicação dos princípios pregados?

Jackson é um sobrevivente da indústria e da tecnologia, um repórter de seu tempo com muitos conhecimentos. Podem estar refletidas nele muitas transformações necessárias à sociedade. Por que nele? Porque é um artista e um louco. Afinal, quem move o mundo? Quem move Michael Jackson? "A infelicidade, nata da expressão", disse o poeta, numa boa dica para entender a necessidade absurda de comunicação dessa pessoa.

A cegueira de Stevie Wonder é um aleijo físico que desenvolveu maravilhosamente os outros sentidos do gênio. Já o aleijo de Michael é espiritual - roubaram-lhe a infância e a inocência muito cedo. Visualize uma criança transformada em star da noite para o dia e tente imaginar os efeitos disso na sua personalidade. Isso sem falar nos 25 anos de "celebridade".

Tentar comparar Michael Jackson a alguém é perda de tempo. Seu currículo, talento, serviços prestados, importância histórica, longevidade e contribuições artísticas falam por si. Além disso, no mundo das artes - graças a Deus - não precisamos escolher entre um ou outro: podemos gostar de um e outro. O Prince não precisa ser ruim para o Michael ser bom. Afinal, medir valores, julgar, rotular e criticar nada tem a ver com a arte. São atitudes perigosas, pois se levadas às últimas conseqüências podem dar origem a pensamentos tortos, como, por exemplo, o nazismo.''

Por João Marcelo Bôscoli via MJBeats