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07 junho 2011

Quincy Jones e o Rei (04)


O produtor musical Quincy Jones recorda Michael Jackson em sua autobiografia

¨Michael estava espalhado pelo globo, visualmente e musicalmente: Michael, os vídeos na MTV e a música levaram tudo para a glória.

O single Thriller, que veio um ano e meio depois do álbum, foi o primeiro vídeo de 14 minutos e foi tratado como a estréia de um longa-metragem por todo o mundo. A verdade é que muito dos vídeos que viraram marca-registrada na MTV imitam Beat It, Thriller e Billie Jean, com a coreografia de Michael por toda a tela, até hoje.

Ele ajudou a definir os vídeos musicais em termos de estilo, seqüências de dança, e a performance num todo. A CBS gosta de alegar o crédito, mas foi Steve Ross que insistiu que a MTV levasse o vídeo ao ar, porque a política do canal era focar em "apenas rock'n roll", e não em artistas negros.

Os fãs não podiam ficar longe de Michael depois que Thriller tomou conta do mundo. Michael era um tipo diferente de artista. Totalmente dedicado. Ele praticava dança por horas. Todo passo, todo gesto, todo movimento era cuidadosamente concebido e considerado. Ele vivia em um reino de fantasia porque era o que funcionava para ele. Na sua casa em Hayvenhurst, ele tinha um papagaio cheio de atitude e uma cobra chamada Muscles.

Um dia, Muscles estava sumida. Eles olharam por toda a propriedade, por dentro e por fora, e dois dias eles finalmente acharam a cobra ao lado da gaiola do papagaio, com o bico dele pra fora da boca.

A cobra tinha engolido todo o maldito papagaio e não conseguia colocar a cabeça pra fora da jaula, porque não havia digerido o passarinho inteiro. De um certo modo, isso é uma metáfora pra vida de Michael após Thriller, porque em certo ponto, ele não conseguia sair da gaiola. Tudo ficou muito grande pra ele.

Você tem que lembrar que a indústria da música produz um monstro toda década, aquele fenômeno que arrasta multidões: nos anos 40 foi Frank Sinatra, nos 50 foi Elvis, nos 60, os Beatles. Nos anos 70, Stevie Wonder e a introdução do som Dolby para todos os filmes tiveram um grande impacto.

Nos anos 80, Michael tomou o poder, porque não importava o que os outros tinham feito, ele estava anos-luz na frente. Thriller vendeu sozinho mais de 50 milhões de cópias, muito mais que qualquer outro álbum na história da música.

Vamos falar a verdade: Michael era o maior artista no planeta Terra. Fizemos história juntos. Essa foi a primeira vez em que um artista negro ganhava o coração de todo mundo, dos oito aos oitenta anos, no mundo inteiro. Isso era quebrar grandes barreiras.

Para promover o álbum, eu viajei muito com o Michael, para o Japão e toda a Europa, ajudando-o com coletivas de imprensa em grandes cidades, junto com o empresário Frank Dileo. Michael e eu tivemos grandes aventuras juntos, mas lidar com o sucesso é tão difícil quanto lidar com o fracasso.

Eu acredito que você tem que olhar o sucesso nos olhos. Mas se você começar a acreditar muito nos elogios e adulação, então quando eles dizem que você é uma *****, você vai ter que engolir isso também.

Isso é uma grande armadilha, e pra você lidar com tudo é um estresse fisiológico. Você precisa de um centro espiritual para navegar por todo o caminho e sair vivo. Ninguém fica no topo. Ninguém. Eu estou vendo isso há muito tempo. Eu trabalhei com os melhores, e nunca tentei buscar a celebridade.

Apenas nos encontramos, e eu consegui os benefícios que Sinatra ou Michael conseguiram, mas sem todos os percalços. Quando a fama chega pra você, você tem que estar pronto. E quando chove, você tem que se molhar.

Michael trocou de empresário três meses após o lançamento de Thriller. Michael reagiu aos problemas externos do nosso sucesso. É como um furacão em um buraco negro: ele te suga, te coloca de ponta-cabeça e depois cospe. Até hoje as pessoas esquecem que, lá no fundo, Michael era um "caipira". Eu vivia na Stone Canyon Road, uma das ruas mais bonitas de Los Angeles, apenas a duas quadras do Bel Air Hotel.

Michael, um dia, veio para uma festa usando um chapéu Kangol e estacionou seu novo Rolls-Royce a três quadras da minha casa. Ele sendo de Gary, Indiana, e eu de Chicago, eu sabia que ele ia pegar um pedaço de pedra do meio dos arbustos, quando saiu de casa, às 2 da manhã.

Eu falei: "Smelly, isso não é Gary ou Chicago. Isso é a rua mais segura de Los Angeles". Eu falei pra ele que aquilo era ser caipira, brincando, e ele gargalhou. Ele tentava bancar o sofisticado, e eu esperava o lado caipira aparecer, fosse quando ele estava usando os sapatos pretos sem salto - não há coisa mais caipira que aquilo - ou então sugando o macarrão chinês.

Fizemos outro álbum juntos, Bad, que vendeu 25 milhões de cópias. Quando o gravamos, em 1987, eu queria fazer uma faixa contra as drogas, com o Run DMC e o Michael. O grupo apareceu no Westlake Studios várias vezes, prontos para gravar, mas Michael estava em dúvida se o rap seria uma boa opção, e ele não era o único.

Nesse ponto, eu já havia montado uma companhia multimídia - tinha sido sempre meu sonho. Era hora de mudar. Além disso, membros-chave da equipe de Michael, incluindo seu advogado, estavam sussurrando nos ouvidos dele que eu estava ganhando muito crédito.

O irmão dele, Jackie Jackson, falou para um canal de TV que eu queria ter colocado Billie Jean fora do álbum. Por favor! Depois de todos os sucessos que eu e Michael havíamos feito, ele e os irmãos estavam indo para o estúdio gravar um álbum deles.

Dizem que o pai dele, Joe, falou: "Quincy não é produtor coisa nenhuma. Eu sei de um produtor que faria aquele disco por somente US $25.000".

Michael era como um membro da família, um filho adotivo. Ele passava muitas horas com minha filha Kidada, um garota de oito anos na época. Eles adoravam um ao outro e se entendiam muito bem, apesar da diferença de idade - ele tinha vinte anos na época.

A mãe dela uma vez achou uma conta de telefone que mostrava que Kidada tinha feito 90 ligações interurbanas para Michael em um único mês. Ela usava o telefone como Herbie Hancock tocava teclado.

Atualmente, eu sinto muito ao falar disso, eu não vejo Michael o tanto que eu eu gostaria; nossas vidas mudaram dramaticamente. Mas até o fim dos meus dias, ele vai ser sempre uma grande parte de minha alma e memórias, e meu coração e braços sempre estarão abertos para ele.

Não houve coisa melhor que os anos oitenta. Até hoje, ninguém conseguiu fazer mais e melhor que o Smelly. Eu agradeço a Deus por cada minuto."

(parte final)

Fonte: MJBeats