A cantora Janet Jackson anunciou recentemente uma nova turnê, que vem substituindo os shows da Unbreakable World Tour, que haviam sido atrasados e depois cancelados por motivos de saúde e depois graças à gravidez da cantora. A divulgação oficial começou a partir de um vídeo postado em um perfil oficial da cantora:
Recém-divorciada e com muita energia, Janet lança no dia 7 de setembro a State Of the World Tour, que vem causando comoção entre os fãs na internet. Visuais com letras de seus hits demonstram que ela virá com um forte teor político, apesar de ela dizer que não é esse o foco nos espetáculos.
Muitos fãs do pop atual não conhecem Janet ou sabem da relevância de sua obra, que mesclava áudio e visual entre as décadas de 1980 e 1990. Sem a tecnologia das visualizações ou do streaming, em determinado período, o sucesso de tudo que Ms. Jackson lançava era iminente, porque ela sabia fazer músicas que continham críticas sociais para o consumidor comum.
De família famosa [possivelmente a família mais famosa da música], durante os primeiros anos de sua carreira, Janet havia lançado dois discos iniciais insossos e inexpressivos. Sem pontos altos. Afinal, para o público, ela era a irmã do Michael Jackson, nada mais.
Disposta a calar a boca dos que a subestimavam, em 1986 chega às lojas um disco que mais soa como um manifesto de liberdade: Control. Não há nome mais apropriado, pois ali ela afirma tomar as rédeas e ter pleno controle sobre sua vida, pessoal e profissionalmente. Ela gravou sobre relacionamentos com rapazes grosseiros, sobre como ela gosta de ser valorizada e amada. E tudo isso aos 19 anos de idade. Janet realmente queria se libertar da sombra da família.
É sempre instigante o questionamento: será que, depois de um disco tão significativo e bem-sucedido, a artista será capaz de mostrar evolução? Ela foi. Já tendo estabelecido sua imagem como artista com um documento de emancipação musical, parecia o momento mais certeiro para se posicionar em relação às problemáticas vividas nos Estados Unidos ‘daquela época’.
Três anos depois do Control, veio o Rhythm Nation 1814, que tinha uma temática politicamente sólida, uma vez que enfrentávamos mais uma onda de movimentos sociais como resposta à ascensão do conservadorismo [o primeiro governo Bush entrava em ação e estávamos em plena epidemia de AIDS, totalmente ignorada por praticamente todo mundo]. O mais interessante é que a artista uniu o disco a um curta-metragem, mais ou menos como o Lemonade da Beyoncé.
A começar pelo título, Janet Jackson’s Rhythm Nation 1814, já podemos extrair muito: 1814 foi o ano da composição do Hino Nacional dos EUA, Star-Spangled Banner. Janet pretendia, com esse manifesto, construir uma nova “América”. Certamente, nada foi por acaso: R é a décima oitava letra do alfabeto e N é a décima quarta. 18–14. Uau.
A partir do filme e do disco, podemos aprender algumas coisas: Janet sonha com uma terra em que haja mais consciência, sem consumo de drogas e, sobretudo, sem racismo. Todos, em uníssono, clamando por liberdade. Um disco deliciosamente poético e sensorial. Está nele a faixa que dá nome a esse novo espetáculo, State Of the World, em que o som de um desenho animado é interrompido pela notícia de uma morte. As crianças morrem, há brutalidade policial. “Esse é o mundo de hoje”, ela diz.
Se você acha que pronunciamentos a respeito da liberdade individual e coletiva seriam o topo, você está enganado. Há mais! Acompanhando o avanço do mundo, a democratização da tecnologia e uma nova onda feminista, surge outra certidão de libertação: janet.. Exatamente assim. Buscando deixar de ser associada ao irmão famoso, ela se lança como “Janet e ponto final”.
Como num Control “mais amadurecido”, você encontra a imagem de Janet Jackson inspirada na poesia de Maya Angelou e muito mais amadurecida, falando de modo que parece romper com sua imagem meio conservadora; há um forte teor sexual nas letras, assim como há elementos de jazz, do hip hop e mesmo da ópera na instrumentação. No entanto, o assunto “sexo” não é apresentado como tabu, mas sim como um ato natural de demonstração de amor. Portanto, como todo ato natural, envolve responsabilidade: Janet se torna porta-voz do sexo seguro.
Em 1997, é chegada a hora de uma reflexão. Depois de tantas rupturas, a cantora aparece mais introspectiva que nunca, fazendo um balanço sobre si mesma, as relações que estabeleceu com o mundo lá fora e como ela o vê naquele momento, mais crescida. Parece ter sido concebido assim o The Velvet Rope.
Tratando de assuntos mais obscuros que outrora, Janet Jackson mostra saber a que veio e as faixas mostram sua determinação,em uma produção sem uma falha sequer. É tudo milimetricamente orquestrado para reunir todos os assuntos em que havia tocado antes – racismo, sexualidade e autoafirmação. Até mesmo as participações no disco são de primeira linha. Entre elas, Q-Tip e a lendária Joni Mitchell. É para poucos.
Hoje, talvez tenhamos passado por discos de mais entretenimento, mas sempre ligado às tendências, o que faz dela sempre presente. Quando entra em hiato, é lembrada e reverenciada. Com uma carreira mais que consolidada apesar do infortúnio no evento esportivo, Janet nos mostrou que está vivíssima e pronta para se posicionar mais uma vez. É incansável o trabalho do artista que trabalha com paixão. Sempre disposto a se fazer ouvido.
Até o momento, temos 56 datas até 17 de dezembro. É importante que possamos reconhecer que uma artista com o calibre e a sensibilidade de Janet está disposta a se posicionar mais uma vez.Ignorá-la parece tiro no pé em um momento crítico de nossa política e quando a música parece ter virado as costas para seu poder de persuasão. A arte deve se fazer presente. Um espetáculo que enche os olhos até mesmo do espectador mais exigente vale a pena ser aguardado e agora apreciado.
Fonte: http://www.caferadioativo.com