Depoimento de Stuart Brawley


Stuart Brawley é um fã que teve o privilégio de trabalhar em estúdio com o Rei do Pop. Entre mixagens de "Unbreakable", a edição digital de "Heartbreaker", a gravação de "Speechless" e "The Lost Children", ele dá um relato de como foi mexer nas pistas de gravação com Michael Jackson.

"Minha primeira memória de Michael Jackson volta pro começo dos anos 80, quando calças de algodão brancas e mochilas de ginástica da Adidas eram moda. Eu tinha cerca de 11 anos quando fiquei sabendo que existia um pop star chamado Michael Jackson e que ele era demais. Eu não tinha ouvido nada de Off the Wall no fim dos anos 70. Eu estava ocupado aprendendo canções dos Beatles no meu violino.

O primeiro single de Thriller foi um dueto com Paul McCartney, meu ídolo na época. Eu ganhei o cassete de presente de aniversário e ficou gasto em pouco tempo, já que eu ouvia sem parar o álbum no meu walkman, especialmente Human Nature, P.Y.T e Thriller. Nascia ali um fã.

Thriller e os álbuns subseqüentes de Michael tornaram-se motivos de inspiração para mim, tanto como músico e aspirante a compositor. Desde pequeno eu sempre soube que música seria minha vida. Eu queria ser professor de música.

O conceito de se tornar um compositor e engenheiro em Los Angeles não passou cabeça desse garotinho "nerd" do Canadá. Não foi até o meu primeiro ano na universidade, onde eu tentava assegurar meu diploma para virar professor de música, que eu percebi que minha paixão pela música não era em ensiná-la, era mais que isso - através de um amigo, descobri o mundo da gravação.

Claro, eu já estava no mundo da gravação em 4 pistas e tinha até mesmo composto e gravado canções embaraçosamente ruins para um concurso de composição, no qual ganhei o prêmio nacional. Mas nunca considerei a opção de gravar como profissão. Meu amigo me falou de um programa na faculdade, que ele estava planejando a aprender a arte de gravar música. 

Stuart Brawley
Para encurtar a história, eu acabei no Fanshawe College em London, no Canadá, e estudei engenharia de gravação e produção por 2 anos. Depois de trabalhar em alguns estúdios em Toronto por 2 anos, decidi que precisava me mudar para um centro de gravação maior. Fui para Los Angeles. 

O convite para trabalhar com Michael veio em setembro de 2000. A idéia era simples. Bruce Swedien tinha sido chamado pelo Michael para mixar o álbum, e queria alguém para ajudá-lo no estúdio. Falaram de mim para ele e, depois de encontrá-lo, começamos imediatamente a trabalhar no álbum. 

Nossa primeira tarefa foi mixar uma das co-produções de Rodney Jerkins com Michael, You Rock My World. Nem eu nem Bruce havíamos encontrado Rodney antes, e ficamos impressionados com seu talento, dedicação a Michael e entusiasmo óbvio pelo projeto.

Trabalhei com vários ótimos engenheiros na minha curta carreira, mas nenhum tão bom como Bruce Sweiden. O cara tem ouvidos de ouro. Eu aprendi mais com ele em um ano do que em todos meus cinco anos em Los Angeles. Eu já pensava em ser um engenheiro antes de conhecê-lo.

Mas daí rapidamente percebi que você pode ir muito mais longe na arte da engenharia de som. O efeito de Bruce na música de Michael pode ser ouvido em todo álbum. Graves sólidos, vocais claros e presentes, e uma profundidade na música que desafia as limitações de um sistema com 2 auto-falantes.

Através da confiança tanto de Bruce como Rodney em mim, meu papel no projeto cresceu de editor digital para co-engenheiro, e finalmente co-mixador. Trabalhar no álbum de Michael foi como nenhum outro projeto. Havia esse pensamento contínuo que estávamos trabalhando em algo muito maior do que podíamos imaginar, e nossa meta de fazer o melhor possível para o Michael estava sempre presente.

A primeira vez que encontrei Michael, eu imediatamente cheguei a duas conclusões: eu sabia que eu ia gostar muito dele e que ele estava determinado a fazer desse álbum o melhor de todos. Eu raramente fico impressionado com estrelas, mas eu tenho que admitir que eu tinha que me beliscar algumas vezes durante os primeiros dias.

Toda vez que ele vinha ao estúdio, ele estava procurando fazer cada faixa a melhor possível. Ele nos empurrava para o limite. Para Rodney, significava criar ritmos com impacto, usando sons não muito normais, e lutar para fazer algo inovador em toda canção. Para Bruce e eu, significava fazer o som chegar um um nível de intensidade nunca ouvido.

Com o passar do tempo, Michael e eu passamos a nos conhecer melhor e comecei a ver o verdadeiro homem atrás da imagem. Michael Jackson é, sem alguma sombra de dúvida, a pessoa mais gentil e genuína para quem trabalhei. Sua fala mansa é natural, até mesmo em épocas de alto estresse, e sua total falta de ego fizeram com que trabalhar para ele fosse um verdadeiro prazer.

Alguns de meus momentos favoritos no projeto foram quando Michael estava cantando. Assisti-lo cantar é realmente incrível. Não apenas porque ele canta como ninguém mais, mas porque, ao contrário de outros artistas, quando Michael canta, ele envolve o corpo inteiro. Eu já gravei muitos vocalistas, e a maioria deles fica parado na frente do microfone, às vezes usando um gesto aqui e ali enquanto cantam. Mas não com MJ. O corpo inteiro de Michael entra em ação. Ele dança, baté o pé e a música jorra para fora dele.

O primeiro dia em que gravei vocais com ele, eu quase me levantei e comecei a dançar, era realmente muito contagiante (isso, claro, significaria o fim do meu envolvimento no projeto, já que meus passos de dança consistem basicamente naqueles das bandas ruins de garotos brancos dos anos 80, causando vergonha em qualquer um em um raio de 1 kilômetro).

O que mais me impressiona em Michael é o quanto que a música o move. Às vezes estávamos ouvindo a gravação de um mix na sala de controle, e Michael começava do nada a fazer um passo de dança. Acho que é instinto, talvez até mesmo involuntário.

Todo mundo no projeto, produtores, engenheiros, assistentes, todos tinham um respeito silencioso por ele. Era algo que nem comentávamos, era apenas entendido. Ele inspira respeito em tantos níveis: como produtor, compositor, artista, e o mais importante, como ser humano.

Durante o ano da minha vida que virou o álbum Invincible, eu aprendi muitas coisas com Michael e as pessoas que ele escolheu para ficar em volta dele. Com o Michael, aprendi que você ganha mais respeito com ações do que com palavras, e contanto que você seja verdadeiro com você mesmo, apesar de tudo que ocorre no mundo exterior, você pode realmente ser feliz.

Com Bruce Swedien, eu aprendi que música tem que ser sentida, não apenas ouvida. As mixagens dele são tão reacionárias, e eu aprendi como parar de pensar na música e começar a senti-la. Isso, é claro, fez com que eu jogasse fora muitos hábitos ruins de mixagem que tinha adquirido.

Com o Rodney, eu assisti um verdadeiro mestre do ritmo e da melodia trabalhar. Claro, Rodney é altamente influenciado pela música de Michael e, de um jeito, eu tenho que agradecer Michael por isso também. E com todo o resto do pessoal que trabalhou no projeto, eu percebi o tanto de sorte que tivemos de fazer parte de Invincible.

"O que você acha do álbum e como o compara com seus álbuns anteriores?" É uma resposta difícil, eu tenho que comparar um álbum no qual passei um ano trabalhando, com outros com os quais cresci ouvindo. Eu estou ligado emocionalmente aos álbuns em jeitos completamente diferentes.

Dito isso, eu acho que esse é o melhor álbum dele desde Thriller. Ele está cantando tão bem, e as faixas são tão fortes. E também tem aquele sentimento de força por todo o álbum. Mas aí, isso seria esperado de um artista que provou, através de sua determinação e sonhos, ser invencível.¨