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¨Michael Jackson sobe ao palco, em Atlanta, frente a mais de 50.000 fãs gritando ininterruptamente; quase todos querem tocá-lo. O corpo, frágil e magro, empertiga-se, inclina-se, balança ao ritmo e intensidade da letra. Deita-se, estendido no chão, antes de se contorcer ao som do ritmo insistente. As pernas esguias cortam o ar como um raio, enquanto a voz aguda e exuberante não falha uma nota. Os fãs estão de pé, e a corrente elétrica que se estabelece entre Michael e o público é quase visível. Sabe-se que não se sentarão até que ele os deixe.
Michael Jackson está sentado, sozinho, na sala de sua casa, durante todo o domingo. Jejua, alimentando-se apenas de líquidos; o seu rito pessoal de purificação. Lê, sonha, fala ao telefone com alguns amigos, como, por exemplo, Kristy McNichol e Diana Ross, ensaia alguns passos de dança, conversa despreocupadamente com a mãe e com alguns dos seus irmãos. É um dia tranqüilo, de contemplação, um período de total isolamento do mundo rodopiante do espetáculo, que termina com as orações de Michael. É sem dúvida um grito distante do estereótipo da vida fascinante da superestrela, mas é também uma rotina que Michael segue semana após semana.
Michael trabalha no estúdio de gravação numa das faixas do seu álbum Thriller, há muito esperado. Demonstra ser um incansável perseguidor da perfeição, que leva todos os que o rodeiam, e a si mesmo, a darem o seu melhor. Canta algumas linhas, pára a gravação, porque não está satisfeito. Repete a mesma frase vezes sem conta, toma algumas notas para dar ao técnico de som sobre o modo como a mistura deve ser feita. O produtor Quincy Jones diz-lhe que está ótimo, mas Michael procura algo mais, uma coisa melhor - saberá o que é quando ouvir. Por fim, consegue o que quer e a canção é concluída. Michael levanta as mãos de contentamento, mostra o seu alívio... e dá imediatamente início a uma rápida refeição, ali mesmo, no meio daquele estúdio de gravação dispendioso e ultramodernamente equipado, um verdadeiro estado de arte.
Michael concorda em fazer uma aparição na transmissão televisiva do Grammy Awards (na qual, de uma forma sem precedentes, ele iria ganhar oito prêmios). A sua amiga Brooke Shields lê a notícia no jornal e telefona para felicitá-lo. Pergunta-lhe então, casualmente, se ela quer ir com ele à cerimônia de entrega dos prêmios. Brooke deixa o seu quarto, num dormitório de Princeton (com paredes cobertas de pôsters de Michael Jackson), e voa 4.500 quilômetros até a Califórnia, apenas para passar uma noite. São fotografados de mãos dadas e a inevitável especulação começa. Mas um porta-voz de Michael (o promotor de desportos Don King) afirma: "Amor? Não, acho que não se trata disso. Apenas gostam muito um do outro". E a mãe de Brooke diz enigmaticamente: "Brooke gosta dele pelo que ele é: o profissional perfeito."
Michael reside com os irmãos, e é uma pessoa calma quando está no meio daqueles que lhe são próximos. Vão até o pátio da casa onde vivem com a mãe (uma mansão de dois milhões de dólares em Encino), jogam um bocado uns com os outros, vão ver os animais do jardim zoológico particular de Michael, verificam como vai andando a construção da pequena Disneylândia que Michael mandou instalar para sua utilização pessoal.
Para quem os vê, parecem uma família normal, rindo e dizendo piadas, insultando-se uns aos outros, falando dos filhos e do seu trabalho. Isso até se começar a pensar nas enormidades que custam os seus brinquedos e no fato de andarem por ali, embora discretamente, vários guarda-costas e cães de guarda.
Michael Jackson idealizou finalmente a trama do videoclipe que irá promover seu novo álbum, Thriller. Este passeio-relâmpago e bem-disposto através de uma galeria de horrores transforma-se (graças à fama de Michael e ao suporte financeiro) numa dispendiosíssima superprodução, que consta ter importado em mais de 1 milhão de dólares, com 20 artistas, 18 bailarinos profissionais e um diretor de nome, John Landis (“Animal House” e “Trading Places”), no comando.
Enquanto o videoclipe era produzido, Michael Jackson filmava um documentário com a duração de uma hora intitulado “The Making of Thriller". A maior parte dos artistas oferece seus videoclipes para que estes sirvam de promoção aos álbuns. Michael Jackson foi o primeiro a vender um videoclipe à MTV. Depois, vendeu igualmente o documentário à televisão por cabo e a um fabricante de videocassetes. Todo o mundo da música fica estupefato pela perspicácia comercial dessas iniciativas.
Michael Jackson, por acaso, está sozinho em casa com um repórter: a família, os guarda-costas, as pessoas que normalmente protegem Michael do mundo, saíram todos na mesma altura, deixando-os a sós durante alguns minutos. A campainha da porta toca e o tímido Michael entra em pânico. Afasta o cortinado para espreitar lá fora; a voz treme-lhe. Por fim, vê-se obrigado a abrir a porta, e depara com um mensageiro perfeitamente inofensivo, enviado para entregar umas pautas de que ele precisava. Esboça um sorriso de agradecimento e torna a entrar. Temos, contudo, a sensação de que não irá ser permitido que este incidente se repita.
Estes parágrafos introdutórios dão uma idéia da complexidade de Michael Jackson, quer como estrela pública, quer como pessoa. Ele é, de fato, uma espécie de enigma, mesmo para os fãs mais devotados. Por exemplo, qualquer pessoa que conheça Michael pessoalmente fica espantada com o seu desprendimento, a sua inocência infantil perante algumas características adultas como a ganância, a inveja e o orgulho.
Por outro lado, fica-se igualmente impressionado pelo seu elevado profissionalismo. É completamente devotado ao trabalho - mais do que isso, entrega-se de corpo e alma. Apesar de, neste estágio da sua carreira, apenas o seu nome basta para vender o que quer que grave, Michael trabalha longa e duramente para ter a certeza de que cada um dos seus discos está enquadrado nos elevados padrões que impôs a si próprio. O comportamento profissional de Michael não tem nada de infantil ou acidental.
Outro aparente paradoxo é a diferença entre o Michael tímido e envergonhado na vida particular e aquela figura efervescente que aparece aos olhos do público. Cerca-se de uma muralha protetora de amigos e familiares porque lhe é naturalmente difícil lidar com estranhos. Passa a maior parte do seu tempo livre em casa e evita todas as situações em que possa ser confortado com novos conhecimentos. Contudo, quando está no palco ou em público, Michael parece gostar das luzes da ribalta. Arranja-se e pavoneia-se no palco, estabelece um contato emocional com seus fãs, prospera à custa relação que desenvolve com milhões de pessoas.
E, embora viva continuamente rodeado por repórteres e fotógrafos, nunca se mostra petulante ou enfadado com a sua constante presença. Sorri para a câmera, assina autógrafos, comporta-se amavelmente. Mesmo após o recente e lamentável incidente em que o seu cabelo pegou fogo, ocasionando-lhe graves queimaduras na nuca, Michael, enquanto era transportado numa maca para a ambulância que o aguardava, não se esqueceu de acenar para a multidão.
Com Michael Jackson, até o tema da sexualidade tem algo de ambíguo. Ele fala das suas intenções de se casar e constituir família. Numa entrevista, chegou a sugerir que gostaria de se casar com Diana Ross; numa outra, aconselhou o repórter a não descurar a hipótese de Tatum O'Neil vir a ser a futura Mrs. Jackson. Por outro lado, correm insistentes boatos de que Michael Jackson é homossexual e algumas de suas fotos publicitárias parecem ser propositadamente andróginas, mostrando Michael com caracóis caindo sobre a testa e um grande broche de pérolas e diamantes. Contudo, apesar da ambigüidade existente, Michael continua a ser um verdadeiro símbolo sexual, capaz de conduzir fãs de qualquer dos sexos a um intenso frenesi de paixão.
O único ponto sobre o qual não existe nada de ambíguo ou de enigmático é o talento de Michael. Mesmo com 10 anos de idade, surpreendeu audiências e críticos com sua segurança vocal e a inventiva dos passos de dança. À medida que os anos foram passando, a evidência do seu talento versátil continuou a aumentar. Como cantor, demonstrou uma enorme capacidade técnica no controle da sua voz de tenor e uma habilidade rara em incluir aqui e ali uma ou outra nota de falsete. O poder emocional da sua maneira de cantar é igualmente magistral; pode pôr-nos a chorar com uma balada, fazer-nos sentir a sua alegria contagiante ao executar um número de dança, ou ainda transmitir-nos uma inquietante consciência das facetas mais negras da natureza humana, como tem acontecido nas suas últimas histórias-canções.
Provou também que era capaz de escrever canções de sucesso. Apesar de nunca se ter sentido tentado a criar todo o seu material, o fato é que alguns dos seus maiores êxitos, como “Beat It” e “Billie Jean”, foram escritos por ele. Como autor de letras, é alusivo, poético, por vezes vago, mas consegue sempre contar uma história. Como compositor, tem o instinto nato do ritmo, uma clareza estrutural e um ouvido exímio para obter harmonias inesperadas.
E os seus talentos não ficam por aqui. É óbvio, tendo em conta a sua atuação em The Wiz e a torrente contínua de videoclipes que tem produzido, que é um ator de talento; e, decerto, será apenas uma questão de tempo até que venha a protagonizar algum filme de sucesso. É provável que possua também talento para trabalhar do outro lado da câmera.
São já vários os críticos que referiram que, nos seus videoclipes, Michael Jackson foi o verdadeiro artista criador das imagens visuais e do seu impacto, e que uma parte do trabalho de realização lhe deve ser creditado. Está nos seus planos produzir álbuns para outros músicos num futuro próximo - um passo evidente para quem, como ele, já domina os mistérios insondáveis do estúdio de gravação. E o seu mais recente compromisso foi tomado com a assinatura de um contrato com a editora Doubleday para escrever sua autobiografia. Deve ser um documento fascinante.
Aos 25 anos, Michael Jackson atingiu o topo da carreira. Considerem-se estes fatos:
O seu último álbum, Thriller, vendeu quase vinte e cinco milhões de exemplares, transformando-se no álbum mais vendido da história.
Foi proposto para doze Grammy em 1983 e arrebatou oito dos doze - um novo recorde.
O videocassete de The Making of "Thriller" teve uma primeira edição de 100.000 exemplares, número recorde para qualquer produção que não fosse originalmente um filme de longa-metragem.
Thriller foi um álbum de enormes vendas em dezoito países estrangeiros, e número 1 nos tops de oito países fora dos EUA.
Na atribuição de prêmios da Academia de Música Americana, em 1984, Michael Jackson conseguiu prêmios em oito categorias diferentes.
Michael Jackson é o primeiro artista da história da discografia a ter sete faixas do mesmo álbum na lista dos dez primeiros singles.
Baseada no seu estudo sobre líderes de vendas em 1983, a Billboard aclamou Michael Jackson como o artista de gravação número um de 1983.
No mundo altamente competitivo da música pop, onde as estrelas podem subir e cair no espaço de um só ano, o feito de Michael Jackson é surpreendente. Atua há mais de 20 anos. Teve o seu primeiro êxito em 1969, quando cantou I Want You Back com os Jackson Five, e o mais recente em 1983 com PYT (Pretty Young Thing), do álbum Thriller. É multimilionário e provavelmente sê-lo-á sempre. Os seus amigos são uma galáxia surpreendente de gente famosa e cheia de talento: Katherine Hepburn, Jane Fonda, Liza Minelli, Tatum e Brooke, John e Caroline Kennedy, Steven Spilberg, Paul McCartney, Diana Ross... E a lista continua interminavelmente.
O futuro de Michael Jackson depende apenas da sua vontade.
Eis o comentário de Michael acerca do seu futuro: "Quero continuar a crescer. Para mim, o maior de todos os pecados é ser abençoado com um dom, com um talento, que é na verdade uma dádiva de Deus, aceitá-lo e não cultivar esse dom, procurando fazer cada vez melhor. Para mim, esse é o maior pecado do mundo".
Michael Jackson está hoje nos pináculos da sua profissão. Thriller acaba de entrar no Guiness Book of Records como o álbum solo mais vendido de todos os tempos, com cerca de 25 milhões de cópias em todo o mundo. Continua no número um das tabelas de álbuns, vendendo cerca de 60.000 cópias por dia. Trata-se de um feito espetacular, que talvez não seja igualado por nenhum outro artista.
Mas, para Michael Jackson, representa apenas mais um marco na carreira de um jovem que toda a sua vida bateu recordes. Ele é sem dúvida um dos artistas mais novos a estabelecer-se como grande artista de gravação. Tem um número surpreendente de hit singles, começando com I Want You Back, em 1969. São hoje doze aqueles que estiveram no número um das tabelas (solo ou com os irmãos). Os seus concertos como vocalista dos Jacksons conseguiram sempre esgotar as lotações. É um dos grandes detentores de prêmios no mundo da música, ganhando o seu primeiro em 1971 como melhor vocalista masculino e, mais recentemente, em 1984, conseguindo um total de oito Grammys.
Todos estes prêmios e sucessos refletem a sua amplamente divulgada popularidade. Devido à enorme resposta do público à sua personalidade, existe virtualmente uma indústria de comunicação Michael Jackson, proporcionando empregos a milhares de pessoas: fabricantes de pôsters e calendários, editores de revistas de música, vendedores de dísticos e recordações (e, claro, escritores de livros). Basta a sua fotografia na capa para vender automaticamente revistas, e até os novos programas de televisão estão cheios de histórias de Michael Jackson.
Descobri, por mim própria, que a quantidade de pessoas que amam e admiram Michael Jackson é verdadeiramente espantosa. Por exemplo, quando comecei a trabalhar neste livro, falei com uma cantora amiga minha que costuma atuar em restaurantes e pequenos clubes em Nova Iorque, faz algumas gravações e tenta vender algumas músicas que compõe; por outras palavras, uma profissional experiente no ilusório cheio de desilusões do mundo da música. Mas quando ela falava sobre Michael Jackson ficava com os olhos brilhantes e ofegava como se fosse uma adolescente, delirando com a sua voz, a sua aparência, a sua dança.
Alguns dias mais tarde, discuti o livro com um artista negro que há mais de duas décadas vem editando discos e fazendo atuações ao vivo. Também ele falou de Michael Jackson, vinte anos mais novo que ele, considerando-o naturalmente um gênio e dizendo repetidamente: "Eu respeito o tipo". Depois, a mulher da limpeza viu as fotografias de Michael Jackson em cima da minha secretária e soube que ela adorava todos os seus êxitos. Seguira a sua carreira desde os primeiros tempos dos Jackson Five e expressou uma preocupação maternal sobre as dificuldades que ele deveria sentir em viver durante tantos anos sob a luz da ribalta (ela acha que Michael deveria casar-se para não estar tão sozinho).
Uma psicanalista minha amiga telefonava-me quase todos os dias pedindo informações sobre os novos fatos que a minha pesquisa revelara. Mais uma outra amiga, também ela escritora, disse que não me telefonaria mais, porque ficava verde de inveja ao ouvir-me falar do projeto de um livro sobre Michael Jackson.
A amplitude do apelo de Michael Jackson e o fato de haver tanta gente que lhe é devotada não tem precedentes. A maior parte dos artistas não pode esperar igualar os feitos ou a popularidade de Michael, nem sequer dedicando toda a sua vida a essa tentativa. Mas ele tem apenas 25 anos. Artisticamente, ainda está a amadurecer. E continua ambicioso. É quase impossível prever até onde ele pode chegar no futuro.
Michael Jackson está ainda a desenvolver todo o seu potencial. Não só como artista mas também como ídolo popular. De fato, Michael Jackson, o artista, está ainda a criar Michael Jackson, a lenda, a pessoa pública, o ícone dos anos oitenta. A imagem de Michael Jackson, que ele está a compor tão cuidadosamente, reflete e constrói a cultura dos nossos tempos.
Marshall Berman, professor de Ciências Políticas na Universidade de Nova Iorque, explica por quê: "É a altura certa para Michael Jackson, porque a cultura americana melhorou no tratamento do sexo e no jogo com os papéis de ambos os gêneros, feminino e masculino. Dá-nos a sensação de que se pode brincar com quase tudo - com o fato de ser homem ou mulher, assustador ou assustadiço, branco ou preto, ou com uma engraçada combinação de tudo isso."
A imagem de Michael é usualmente rotulada de "andrógena" e comparada com a de Mick Jagger e David Bowie. Mas essa comparação é, em certa medida, enganadora. Bowie e Jagger exibiram, no passado, imagens de palco que confundiam a distinção entre os sexos. Prince faz a mesma coisa, com toda a sua maquilagem e saltos altos... E as suas letras de "durão". A intenção desses intérpretes é confundir-nos sobre o seu sexo, é resistir a serem integrados numa ou noutra categoria, é rejeitar os papéis tradicionalmente aceitos dos dois sexos.
Michael Jackson é diferente. O seu gênio está na forma como exalta - e contém - ambos os sexos. Ele não é propriamente andrógeno, é mais aquilo que se pode qualificar de "bipolar".
Os dois pôsteres mais vendidos de Michael Jackson ilustram esta bipolaridade muito nitidamente. Vá a qualquer loja que venda pôsteres e encontra-los-á lado a lado. Num, Michael veste o blusão de cabedal, imagem típica do "durão", uma camiseta lisa e jeans muito colados. Está de pé, numa pose tipicamente masculina: pernas afastadas, ancas levantadas de modo a realçar a zona genital. Até a posição das mãos é a de machismo clássico: uma está dentro do bolso, a outra apoiada casualmente na beira do bolso com um dedo esticado. Ambas as mãos se alinham na direção do seu sexo.
O outro pôster cria uma imagem exatamente oposta. Mostra Michael com uma camisola de um tom pastel, muito fofa; sobre o peito, uma jóia enorme com uns sugestivos pendentes que abanam. O cabelo está solto, com uns caracóis que lhe caem sobre a testa e outros que tocam a gola. Na versão mais conhecida deste pôster, Michael é cortado imediatamente abaixo da cintura, o que neutraliza a sua imagem. Numa outra versão podemos observar que usa umas calças de flanela branca muito largas, com grandes pregas, um estilo que encobre totalmente o sexo; e as suas mãos escondem-se completamente dentro dos bolsos espaçosos.
Os dois pôsteres formam, na verdade, um conjunto completo, e para compreender a imagem de Michael Jackson é necessário prestar igual atenção a ambos. Não é nenhum Boy George, vestindo-se de mulher e fazendo uma espécie de imitação grotesca do sexo (uma imitação que ainda por cima é ofensiva para as mulheres, pois baseia-se na pretensão de que a feminilidade consiste apenas em roupas e maquiagem). Quando Michael realça o lado feminino da sua natureza, não o faz imitando a maneira de vestir feminina, mas recorrendo a qualidades tradicionalmente consideradas próprias da mulher, como é o caso da delicadeza, da sensibilidade, do amor pelo belo, da emotividade. Depois, veste-se de acordo com tudo isso. A sua recente cirurgia plástica, que lhe afilou e refinou o nariz e lhe alargou os olhos, ajudou-o a obter essa aparência.
Contudo, a sua expressão dessas qualidades femininas não o impede de fazer uma demonstração igual e oposta das melhores qualidades geralmente consideradas masculinas: superioridade atlética, presença física cheia de energia, ousadia numa crise (tema do videoclipe de “Beat It”). A junção destas duas metades da pessoa de Michael Jackson é um retrato completo da humanidade.
Um outro aspecto significativo da imagem de Michael Jackson, e de sua vasta popularidade, é a sua habilidade em combinar as virtudes da maturidade e da infantilidade. Como artista profissional, Michael é conhecido pela sua disciplina, dedicação ao trabalho e confiança que inspira. Não cancela ou falta a atuações, fica dentro do estúdio o tempo que for necessário para fazer um bom trabalho; nunca se esquiva a cumprir com a parte do trabalho ou da responsabilidade que lhe cabe.
Mas o outro lado da sua personalidade pública evidencia a sua infantilidade. Vive com a mãe; quer ter uma pequena Disneylândia dentro de casa; mantém um pequeno jardim zoológico com pássaros e animais exóticos, como, por exemplo, uma lhama e uma jibóia; evita os compromissos emocionais do verdadeiro amor romântico, casamento e paternidade. Quando tem de freqüentar a sociedade dos adultos, como, por exemplo, quando requerem sua presença numa festa, veste um terno como se fosse uma criança que se mascara.
Para os seus fãs, Michael Jackson parece retratar o que há de melhor em ambos os mundos. Ilustra as virtudes dos adultos no contexto do estilo de vida de uma criança. Evita a atitude crítica, tipicamente associada com o artista, com um comportamento completamente infantil para com todas as coisas, até para com o seu trabalho, ao mesmo tempo em que parece evitar o aborrecimento e a falta de naturalidade, que são por vezes associadas com o mundo "sério" do adulto.
Na cultura atual esta combinação responde aos desejos de muitas pessoas. Durante várias décadas, a nossa sociedade foi manifestamente orientada no sentido da juventude, com todos nós a tentarmos aparentar e vestir como fazíamos nos nossos vinte anos - e a manter o mesmo nível de aptidão física. Mas as críticas ao egoísmo e à imaturidade dessa atitude têm aumentado. Michael Jackson mostra-nos hoje como ultrapassá-la. Profissionalmente, comportamo-nos como o mais responsável dos adultos; na vida privada, mantemo-nos num mundo imaginário de juventude.
O estigma particular da fantasia jovial de Michael contradiz mesmo as objeções que afirmam que tal comportamento é egocêntrico e emocionalmente condicionado. De fato, é verdade que até agora Michael tem evitado as responsabilidades adultas derivadas de um compromisso total com outra pessoa, mas também é verdade que nunca se comportou irresponsavelmente para com alguém.
E para compensar o fato de nunca ter se apaixonado por ninguém em particular, ele próprio se tornou uma personificação do espírito do amor. À sua maneira, Michael atingiu o que os filósofos orientais consideram o mais alto nível a que o espírito humano pode aspirar. Substituiu o amor por uma pessoa em particular por um amor generalizado por todas as pessoas.
É dentro desse contexto da sua simpatia e bondade para com toda a humanidade que a questão da cor de Michael Jackson pode ser interpretada. Um aspecto deveras impressionante do enorme sucesso que Michael Jackson alcançou é o fato de o ter conseguido como artista negro numa cultura predominantemente branca. Quando Michael iniciou sua carreira, vinte anos atrás, começou-a dentro da comunidade negra, participando em concursos de talentos no Harlem e atuando em clubes noturnos.
É provável que uma das razões por que Michael foi inicialmente aceito fora dessa comunidade pela cultura branca fosse a sua tenra idade e inocência. Foi certamente a razão que o permitiu atuar perante audiências brancas e interpretar canções com letras sexualmente arrojadas enquanto fazia cabriolas no meio do palco. A mesma interpretação feita por um negro sexualmente adulto e agressivo faria provavelmente que essas audiências se sentissem pouco confortáveis.
Mas é evidente que Michael acabou por se tornar um homem sexualmente maduro. Mesmo assim, as suas interpretações continuavam a ser aceitas pela corrente cultural branca. Tom Carson, escrevendo na revista Village Voice, sugeria que uma das razões para esse fato é a sexualidade de Michael nunca ser dirigida a ninguém em particular. Embora inequivocadamente poderosa, a sua sexualidade é difusa, generalizada. Por outras palavras, é dirigida à toda a humanidade e não a um ouvinte específico. E é isso que o torna aceitável.
É por isso que a cor negra de Michael é igualmente aceita. Nunca ninguém acusou Michael de ser um Oreo, preto por fora e branco por dentro. Manteve-se sempre extraordinariamente fiel à tradição musical negra, na qual a sua carreira está fundamentada, e até a sua vida familiar parece inscrever-se numa clara tradição cultural negra. Mas embora pareça completamente confortável com a sua herança negra, nunca se deixa limitar por ela ou pelas reações - suas ou de outros - de uma atitude tradicional. Michael Jackson diz que a cor não tem grande importância para si, e as sua ações confirmam a verdade dessa declaração.
Trata-se apenas de mais um domínio em que ele prefere centralizar-se na humanidade em geral e não no indivíduo em particular; não nas características da pele de um indivíduo, mas nas generalidades da condição humana. A sua atitude torna difícil ao seu público fazer outra coisa que não seja igualar os seus elevados princípios morais. O resultado é um artista negro, trabalhando dentro de uma tradição musical negra, capaz de fundir isso com alguns elementos do repertório musical branco e fazer-se aceitar fácil e amplamente pela principal corrente cultural branca.
Uma questão que é freqüentemente levantada pelos devotados fãs de Michael, e também por algumas das pessoas que lhe são mais próximas, é a dificuldade que ele deve sentir em existir como a personalidade pública Michael Jackson. Quais são os custos emocionais da sua fama? Quanto custa manter o equilíbrio interior debaixo do brilho dos holofotes? Que acontece ao ser humano que está por detrás da imagem pública?
Uma psicanalista minha amiga telefonava-me quase todos os dias pedindo informações sobre os novos fatos que a minha pesquisa revelara. Mais uma outra amiga, também ela escritora, disse que não me telefonaria mais, porque ficava verde de inveja ao ouvir-me falar do projeto de um livro sobre Michael Jackson.
A amplitude do apelo de Michael Jackson e o fato de haver tanta gente que lhe é devotada não tem precedentes. A maior parte dos artistas não pode esperar igualar os feitos ou a popularidade de Michael, nem sequer dedicando toda a sua vida a essa tentativa. Mas ele tem apenas 25 anos. Artisticamente, ainda está a amadurecer. E continua ambicioso. É quase impossível prever até onde ele pode chegar no futuro.
Michael Jackson está ainda a desenvolver todo o seu potencial. Não só como artista mas também como ídolo popular. De fato, Michael Jackson, o artista, está ainda a criar Michael Jackson, a lenda, a pessoa pública, o ícone dos anos oitenta. A imagem de Michael Jackson, que ele está a compor tão cuidadosamente, reflete e constrói a cultura dos nossos tempos.
Marshall Berman, professor de Ciências Políticas na Universidade de Nova Iorque, explica por quê: "É a altura certa para Michael Jackson, porque a cultura americana melhorou no tratamento do sexo e no jogo com os papéis de ambos os gêneros, feminino e masculino. Dá-nos a sensação de que se pode brincar com quase tudo - com o fato de ser homem ou mulher, assustador ou assustadiço, branco ou preto, ou com uma engraçada combinação de tudo isso."
A imagem de Michael é usualmente rotulada de "andrógena" e comparada com a de Mick Jagger e David Bowie. Mas essa comparação é, em certa medida, enganadora. Bowie e Jagger exibiram, no passado, imagens de palco que confundiam a distinção entre os sexos. Prince faz a mesma coisa, com toda a sua maquilagem e saltos altos... E as suas letras de "durão". A intenção desses intérpretes é confundir-nos sobre o seu sexo, é resistir a serem integrados numa ou noutra categoria, é rejeitar os papéis tradicionalmente aceitos dos dois sexos.
Michael Jackson é diferente. O seu gênio está na forma como exalta - e contém - ambos os sexos. Ele não é propriamente andrógeno, é mais aquilo que se pode qualificar de "bipolar".
Os dois pôsteres mais vendidos de Michael Jackson ilustram esta bipolaridade muito nitidamente. Vá a qualquer loja que venda pôsteres e encontra-los-á lado a lado. Num, Michael veste o blusão de cabedal, imagem típica do "durão", uma camiseta lisa e jeans muito colados. Está de pé, numa pose tipicamente masculina: pernas afastadas, ancas levantadas de modo a realçar a zona genital. Até a posição das mãos é a de machismo clássico: uma está dentro do bolso, a outra apoiada casualmente na beira do bolso com um dedo esticado. Ambas as mãos se alinham na direção do seu sexo.
O outro pôster cria uma imagem exatamente oposta. Mostra Michael com uma camisola de um tom pastel, muito fofa; sobre o peito, uma jóia enorme com uns sugestivos pendentes que abanam. O cabelo está solto, com uns caracóis que lhe caem sobre a testa e outros que tocam a gola. Na versão mais conhecida deste pôster, Michael é cortado imediatamente abaixo da cintura, o que neutraliza a sua imagem. Numa outra versão podemos observar que usa umas calças de flanela branca muito largas, com grandes pregas, um estilo que encobre totalmente o sexo; e as suas mãos escondem-se completamente dentro dos bolsos espaçosos.
Os dois pôsteres formam, na verdade, um conjunto completo, e para compreender a imagem de Michael Jackson é necessário prestar igual atenção a ambos. Não é nenhum Boy George, vestindo-se de mulher e fazendo uma espécie de imitação grotesca do sexo (uma imitação que ainda por cima é ofensiva para as mulheres, pois baseia-se na pretensão de que a feminilidade consiste apenas em roupas e maquiagem). Quando Michael realça o lado feminino da sua natureza, não o faz imitando a maneira de vestir feminina, mas recorrendo a qualidades tradicionalmente consideradas próprias da mulher, como é o caso da delicadeza, da sensibilidade, do amor pelo belo, da emotividade. Depois, veste-se de acordo com tudo isso. A sua recente cirurgia plástica, que lhe afilou e refinou o nariz e lhe alargou os olhos, ajudou-o a obter essa aparência.
Contudo, a sua expressão dessas qualidades femininas não o impede de fazer uma demonstração igual e oposta das melhores qualidades geralmente consideradas masculinas: superioridade atlética, presença física cheia de energia, ousadia numa crise (tema do videoclipe de “Beat It”). A junção destas duas metades da pessoa de Michael Jackson é um retrato completo da humanidade.
Um outro aspecto significativo da imagem de Michael Jackson, e de sua vasta popularidade, é a sua habilidade em combinar as virtudes da maturidade e da infantilidade. Como artista profissional, Michael é conhecido pela sua disciplina, dedicação ao trabalho e confiança que inspira. Não cancela ou falta a atuações, fica dentro do estúdio o tempo que for necessário para fazer um bom trabalho; nunca se esquiva a cumprir com a parte do trabalho ou da responsabilidade que lhe cabe.
Mas o outro lado da sua personalidade pública evidencia a sua infantilidade. Vive com a mãe; quer ter uma pequena Disneylândia dentro de casa; mantém um pequeno jardim zoológico com pássaros e animais exóticos, como, por exemplo, uma lhama e uma jibóia; evita os compromissos emocionais do verdadeiro amor romântico, casamento e paternidade. Quando tem de freqüentar a sociedade dos adultos, como, por exemplo, quando requerem sua presença numa festa, veste um terno como se fosse uma criança que se mascara.
Para os seus fãs, Michael Jackson parece retratar o que há de melhor em ambos os mundos. Ilustra as virtudes dos adultos no contexto do estilo de vida de uma criança. Evita a atitude crítica, tipicamente associada com o artista, com um comportamento completamente infantil para com todas as coisas, até para com o seu trabalho, ao mesmo tempo em que parece evitar o aborrecimento e a falta de naturalidade, que são por vezes associadas com o mundo "sério" do adulto.
Na cultura atual esta combinação responde aos desejos de muitas pessoas. Durante várias décadas, a nossa sociedade foi manifestamente orientada no sentido da juventude, com todos nós a tentarmos aparentar e vestir como fazíamos nos nossos vinte anos - e a manter o mesmo nível de aptidão física. Mas as críticas ao egoísmo e à imaturidade dessa atitude têm aumentado. Michael Jackson mostra-nos hoje como ultrapassá-la. Profissionalmente, comportamo-nos como o mais responsável dos adultos; na vida privada, mantemo-nos num mundo imaginário de juventude.
O estigma particular da fantasia jovial de Michael contradiz mesmo as objeções que afirmam que tal comportamento é egocêntrico e emocionalmente condicionado. De fato, é verdade que até agora Michael tem evitado as responsabilidades adultas derivadas de um compromisso total com outra pessoa, mas também é verdade que nunca se comportou irresponsavelmente para com alguém.
E para compensar o fato de nunca ter se apaixonado por ninguém em particular, ele próprio se tornou uma personificação do espírito do amor. À sua maneira, Michael atingiu o que os filósofos orientais consideram o mais alto nível a que o espírito humano pode aspirar. Substituiu o amor por uma pessoa em particular por um amor generalizado por todas as pessoas.
É dentro desse contexto da sua simpatia e bondade para com toda a humanidade que a questão da cor de Michael Jackson pode ser interpretada. Um aspecto deveras impressionante do enorme sucesso que Michael Jackson alcançou é o fato de o ter conseguido como artista negro numa cultura predominantemente branca. Quando Michael iniciou sua carreira, vinte anos atrás, começou-a dentro da comunidade negra, participando em concursos de talentos no Harlem e atuando em clubes noturnos.
É provável que uma das razões por que Michael foi inicialmente aceito fora dessa comunidade pela cultura branca fosse a sua tenra idade e inocência. Foi certamente a razão que o permitiu atuar perante audiências brancas e interpretar canções com letras sexualmente arrojadas enquanto fazia cabriolas no meio do palco. A mesma interpretação feita por um negro sexualmente adulto e agressivo faria provavelmente que essas audiências se sentissem pouco confortáveis.
Mas é evidente que Michael acabou por se tornar um homem sexualmente maduro. Mesmo assim, as suas interpretações continuavam a ser aceitas pela corrente cultural branca. Tom Carson, escrevendo na revista Village Voice, sugeria que uma das razões para esse fato é a sexualidade de Michael nunca ser dirigida a ninguém em particular. Embora inequivocadamente poderosa, a sua sexualidade é difusa, generalizada. Por outras palavras, é dirigida à toda a humanidade e não a um ouvinte específico. E é isso que o torna aceitável.
É por isso que a cor negra de Michael é igualmente aceita. Nunca ninguém acusou Michael de ser um Oreo, preto por fora e branco por dentro. Manteve-se sempre extraordinariamente fiel à tradição musical negra, na qual a sua carreira está fundamentada, e até a sua vida familiar parece inscrever-se numa clara tradição cultural negra. Mas embora pareça completamente confortável com a sua herança negra, nunca se deixa limitar por ela ou pelas reações - suas ou de outros - de uma atitude tradicional. Michael Jackson diz que a cor não tem grande importância para si, e as sua ações confirmam a verdade dessa declaração.
Trata-se apenas de mais um domínio em que ele prefere centralizar-se na humanidade em geral e não no indivíduo em particular; não nas características da pele de um indivíduo, mas nas generalidades da condição humana. A sua atitude torna difícil ao seu público fazer outra coisa que não seja igualar os seus elevados princípios morais. O resultado é um artista negro, trabalhando dentro de uma tradição musical negra, capaz de fundir isso com alguns elementos do repertório musical branco e fazer-se aceitar fácil e amplamente pela principal corrente cultural branca.
Uma questão que é freqüentemente levantada pelos devotados fãs de Michael, e também por algumas das pessoas que lhe são mais próximas, é a dificuldade que ele deve sentir em existir como a personalidade pública Michael Jackson. Quais são os custos emocionais da sua fama? Quanto custa manter o equilíbrio interior debaixo do brilho dos holofotes? Que acontece ao ser humano que está por detrás da imagem pública?
Por um lado, temos de dar crédito a Michael por ter um caráter muito forte, ser um sobrevivente psicológico. Esteve debaixo da luz da ribalta a maior parte da sua vida e continuou a mostrar-se capaz de agüentar a pressão dessa situação com ponderação e elegância. Não desaponta os seus fãs, não demonstra qualquer sintoma de possuir um temperamento de estrela. Conseguiu permanecer uma pessoa boa e simpática.
É particularmente atraente pelo modo como gosta de fazer coisas para outras pessoas.
Exemplo disso é uma história que apareceu recentemente na revista Rock, escrita por uma jovem que encontrou Michael deambulando por uma estalagem de província, na Califórnia. Michael mostrou-se obviamente tímido, mas perfeitamente encantador: ensinou-lhe a usar a sua nova máquina fotográfica, posou para fotografias com o braço por cima dos seus ombros e deu-lhe o seu número particular para que ela lhe pudesse telefonar a fim de lhe dizer como é que as fotografias tinham saído.
Outro exemplo da sua simpatia aconteceu na altura do seu acidente durante as filmagens da Pepsi-Cola, em que ficou com a parte posterior da cabeça queimada. Além de ir visitar outros doentes na enfermaria de queimados do hospital (um lugar que até os profissionais médicos consideram o lugar mais depressivo do mundo), soube-se que tinha ido ver alguns dos doentes em estado crítico. Tudo isso sem alarde e sem fins lucrativos.
Mas os amigos e a família de Michael constatam, na verdade, que ele pagou — e continua a pagar — um preço elevado por aquilo que dá ao público. Jane Fonda disse a um repórter: "Num certo sentido, Michael lembra-me alguém que, apesar de ferido, continua a andar. É uma pessoa extremamente frágil. Penso que o simples fato de continuar a viver, de contatar com as pessoas, lhe é bastante penoso, quanto mais preocupar-se com o destino do mundo."
Diana Ross, a quem Michael diz confiar muitos dos seus mais íntimos pensamentos, também se preocupa com ele: "ele passa muito tempo, tempo demasiado, sozinho. Tenho tentado distraí-lo. Aluguei um barco e levei os meus filhos e Michael num cruzeiro. Michael está sempre rodeado por muitas pessoas, mas tem muito medo. Não sei por quê. Acho que é uma coisa que já vem de há muito tempo, dos primeiros anos da sua carreira.” E a sua mãe preocupa-se com os efeitos das perseguições constantes das suas fãs loucamente apaixonadas. "São imensas", diz, preocupada, "não se sabe o que pensam, e é por isso que vai ser muito difícil ao meu filho arranjar uma esposa."
O próprio Michael demonstra uma atitude ambivalente relativamente às exigências da sua posição. Por um lado, disse considerar o palco o seu verdadeiro lar, "o local onde devo estar, onde Deus quis que eu estivesse". De fato, Michael afirma que o palco é o único local em que se sente verdadeiramente livre. Por outro lado, estar no palco significa estar rodeado por aquelas multidões de fãs, "e isso é muito difícil, até ameaçador". Explicou a um repórter da Rolling Stone, Gerri Hirshey, qual era a sensação: "Há garotas no átrio, tentando subir as escadas. Pode-se ouvir os guardas a tirá-las de dentro dos elevadores. Mas ficamos no quarto e escrevemos uma canção. E quando nos cansamos de fazer isso, nós conversamos. Depois deixamos sair tudo para fora quando chegamos ao palco."
Numa outra entrevista, a um repórter da Newsweek, Michael esclareceu ainda mais o contraste entre a sua existência pública e a sua maneira de ser em particular. "Estive no palco durante toda a minha vida. E a sensação que tenho das pessoas são os aplausos, as ovações de pé e as perseguições atrás de mim. No meio da multidão, tenho medo. No palco, sinto-me seguro. Se pudesse, dormia no palco. E estou falando sério."
Michael admite a sua timidez quando se trata de estar frente a frente com alguém. Afirmou: "Os meus irmãos dizem que todo mundo me intimida. Isso não é verdade, mas na realidade evito o contato direto com muitas pessoas." Acrescentou: "Prefiro muito mais falar ao telefone". E depois fez uma confissão comovedora: "Sou muito melhor conversador ao telefone do que em pessoa".
A imagem que emerge de todas essas pistas é a de uma pessoa que se mantém afastada do mundo. Mesmo com os seus melhores amigos, prefere falar ao telefone do que pessoalmente. E afirma que quando vê os seus amigos, como, por exemplo, Liza Minelli, a conversa deriva sempre para o aspecto profissional: trocam anedotas, tópicos, passos de dança... Em resumo, tagarelam sobre assuntos do mundo do espetáculo. Brooke Shields afirma que gosta dele porque é um profissional completo. Tudo isso parece um tanto triste, vazio.
Parece provável que quando Michael Jackson não está a atuar perante o público deve sentir-se profundamente só — exceto em relação à família, que esteve sempre ao seu lado e com quem se sente sempre confortável. E, claro, para ele existe sempre a presença de Deus. Michael é uma pessoa profundamente religiosa, que adere sinceramente aos dogmas da sua religião. Acredita em Deus e no poder da oração: "Ajoelho-me todas as noites para agradecer a Deus e para Lhe pedir que me oriente."
Michael aprendeu, à sua maneira, alguns mecanismos para fazer frente à distância a que se sente da vida comum e ao medo que por vezes sente quando confrontado com pessoas comuns. Um desses mecanismos de defesa é usar uma única luva branca. Usa-a a toda hora. Mesmo quando era transportado de ambulância, depois de ter sofrido o acidente em que ficou queimado, insistiu com os enfermeiros para manter a luva calçada quando o levassem de maca para a sala de emergência do hospital. A luva associou-se de tal maneira à imagem de Michael Jackson que, quando a CBS deu uma grande festa em homenagem a ele, imediatamente a seguir à sua saída do hospital, cada um dos convites incluía uma luva branca para o convidado usar em honra de Michael — e para provar à entrada a autenticidade do convite.
Não é preciso ser um psiquiatra para arquitetar algumas teorias sobre o significado dessa luva branca. É um símbolo da sua pureza espiritual e também uma proteção contra a sujidade e corrupção do mundo exterior. Mas é interessante o que o próprio Michael diz acerca do significado da luva. Para ele, significa o seu papel como artista. É um traje, um disfarce, um meio de comunicar o fato de que está "no ar", e não é mais uma pessoa privada. E desde que Michael se sinta no papel de artista, para ele é muito fácil ser bem-sucedido no contato do mundo.
Temos, assim, um Michael Jackson que aprendeu a viver sob o terrível e constante brilho da luz da ribalta e, ao mesmo tempo, aprendeu a proteger a sua vulnerável criatividade. Alguns dos seus mecanismos de defesa podem ser um pouco invulgares e o equilíbrio que conseguiu um tanto delicado. Mas permitem-lhe trabalhar bem, amar a sua família, alimentar a sua criatividade, manter os seus valores espirituais.
E embora exista muita especulação sobre Michael Jackson — sobre sua suposta homossexualidade, a sua bizarra reclusão, o boato de que engravidara uma pessoa, os rumores sobre tratamentos á base de hormônios para manter o tom agudo da sua voz, etc. —, é certamente esclarecedor o fato de nem sequer a mais baixa bisbilhotice mundana mencionar o que quer que seja sobre a possibilidade de Michael ter ofendido alguém.
É voz corrente dizer que para se chegar ao cimo é preciso pisar em muita gente durante o caminho. Mas nunca ninguém se apresentou como vítima das passadas de Michael Jackson. Todas as pessoas que trabalharam com ele só têm coisas boas a dizer a seu respeito. Parece que sempre as tratou bem, pagou generosamente, zelou para que lhes fosse dado o justo mérito pelo seu trabalho, e fez tudo o que podia para que as suas carreiras se beneficiassem da associação com ele. Não são muitos os seres humanos — no mundo do espetáculo ou fora dele — que têm uma reputação tão boa relativamente às suas mantidas com os seus colegas.
O que reservará o futuro a Michael Jackson? Certamente mais trabalho. Há o tal novo álbum e as programadas colaborações com outros artistas. Existem planos para um filme com Steven Spielberg. E um novo escape criativo que se abriu na vida de Michael quando a Doubleday lhe pagou 300 mil dólares adiantados por sua autobiografia; anunciaram simultaneamente que os editores dessa autobiografia seria nada mais, nada menos do que a própria Jacqueline Onassis. Michael conheceu-a através dos seus filhos John e Caroline, ambos fãs de Michael, e foi ela que o encorajou a pensar seriamente num projeto de livro. Além de conter várias fotografias da sua coleção particular, o livro focará a sua vida profissional. Descreverá o modo como ensaia os seus números de dança, quais as suas técnicas de canto, atuação e composição de músicas. Deve ser um livro muito interessante, e as pessoas ligadas aos meios editoriais prevêem que será um best seller.
É difícil prever o que reserva o futuro para a pessoa de Michael Jackson. Ele afirma que gostaria de casar e ter filhos. (Você é capaz de imaginar o que seria crescer com Michael Jackson como pai? Uma infância verdadeiramente fantástica.) Por outro lado, afirma também que não se sente preparado para dar um passo desses. Mudar-se-á dentro em breve para a casa de Encino, que acaba de ser remodelada, para aí viver com a mãe e com as irmãs La Toya e Janet. Continuará a ver os seus irmãos e os seus sobrinhos e sobrinhas - Michael adora a companhia das crianças, afirmando que se sente mais livre e mais descontraído quando está com elas.
O pai, recentemente divorciado de sua mãe, parece estar um pouco afastado da vida de Michael Jackson nos últimos tempos. Até a sua ligação profissional foi desfeita. No verão de 1983, foi anunciado que Joe Jackson e a firma Wiesner/DeMann Entertainment deixavam de representar Michael Jackson. Ron Wiesner e Freddy DeMann disseram que o problema era principalmente com Joe Jackson, que perdera a confiança tanto de seu filho Michael como dos executivos da Epic Records. Joe Jackson declarou publicamente que a culpa da discórdia residia em misteriosos conselheiros de Michael, que o incitavam a romper profissionalmente com a família. Em qualquer caso, foi o promotor desportivo Don King que surgiu como o poderoso apoio da digressão dos Jacksons em 1984.
Mas a família Jackson continua a dar a Michael a maior parte do seu suporte emocional. Depois, há os seus amigos. Todas aquelas pessoas famosas cujas atitudes para com Michael são um misto de admiração e de sentimento de proteção. Michael declarou recentemente a um repórter que fizera alguns amigos "civis" - pessoas fora do mundo do espetáculo, pessoas que o podem ajudar a descontrair-se mais completamente.
A primeira linha do livro favorito de Michael Jackson, Peter Pan, diz o seguinte: "Todas as crianças, exceto uma, cresceram." Durante quase uma década, através de uma combinação de intensa força de vontade e dedicação, Michael tentou imitar essa criança. Com resultados que ajudaram obviamente o desenvolvimento da sua criatividade. Mas mesmo Peter Pan terá eventualmente pensado que a eterna infância era uma triste situação, e existem já alguns sinais de que Michael começa a sentir a tensão.
Com a sua inteligência e grande honestidade emocional, não é homem para deixar-se aprisionar numa falsa situação. Mais cedo ou mais tarde, Michael Jackson vai entrar definitivamente no mundo dos adultos, com os seus crescentes compromissos e a sua aceitação de dolorosas limitações. Para um talento tão grande como o de Michael, existem boas possibilidades para que esse passo em frente sirva para aumentar o poder da sua expressão artística - e, conseqüentemente, todos nós, fãs de Michael Jackson, temos muito a esperar.¨
Fonte: Caroline Lathan, transcrito por Daniele Soares - MJBeats
LATHAM, Caroline. Michael Jackson. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1985.
