Michael fala com Shmuley (30)

Esses diálogos entre Michael e o Rabino Shmuley Boteach 
foram gravados entre agosto de 2000 e Abril de 2001.

Parte 30 - Sobre Racismo, Religião e Anti-Semitismo 

SB: Então você tem sido a voz de muitas pessoas que foram deixadas de lado. Como na música They Don't care About Us, a mensagem principal é sobre quem? Os pobres? O Terceiro Mundo?

MJ: Bem, eu diria que não se importam conosco aqueles que nos tratam injustamente, aqueles que são tratados como escória, sendo chamados de crioulos, sendo chamados pela palavra a qual me interpretaram mal quando eu disse daqueles que dizem "Kike" para outras pessoas.

Quando eu era pequeno, judeus, tínhamos advogados e contadores judeus e eles dormiam na minha cama perto de mim e eles se chamavam de "kike". Eu perguntei "O que é isso?" E responderam: "Essa é uma palavra ruim para os judeus. Para os negros dizem crioulos. Eu disse "Ohhhh." Então eu sempre que tomo conhecimento de pessoas sendo ofendidas, elas são chamadas de crioulas, são chamadas de kike. Isso o que estou dizendo eles usaram. Entenderam tudo errado. Eu nunca ... você sabe?

SB: Você estava tentando falar por aqueles que não tinham voz?

MJ: Sim, aqueles que não tinham voz. Eu nunca ensinaria ódio, nunca. Isso não era o que eu pretendia.

SB: Você tem orgulho de ser americano? Quando você fez todos esses shows no exterior, você se sentiu como um representante da América?

MJ: Espero que você não entenda isso errado, o que estou prestes a dizer, mas eu sinto que eu pertenço ao mundo e odeio escolher lados. Embora eu seja americano, que eu tenha nascido nesse país e há muitas coisas que eu tenha orgulho, mas outras não... Ignorância... assim como o quadro de [Norman] Rockwell da garotinha tentando ir à escola para aprender e pessoas tacam coisas sobre ela.

Eu não entendo o racismo. Minha mãe - e ela é um anjo e uma santa - ela estava saindo do supermercado e havia um bloqueio em minha casa em Encino, ela estava no Mercedes dela. E minha mãe ama todo mundo, e um cara branco gritou: "Volte para a África, sua crioula!"

Isso me magoou muito, isso o que aconteceu com minha mãe... isso não foi mais do que cinco anos atrás, o cara tinha inveja. Eu sei de histórias sobre meus irmãos em seus Rolls-Royces quando saiam e trancavam os carros e então, quando voltavam, eles haviam descoberto que um cara branco riscara os carros com uma chave, só porque era um cara negro que dirigia. 

Eu odeio coisas assim, pois a cor da pele de uma pessoa não tem nada a ver com o conteúdo de seu caráter. Eu amo os bebês judeus, os bebês alemães, os asiáticos, os russos. Somos todos iguais e eu tenho a hipótese perfeita para provar isso. Eu toco para todos esses países e eles choram em todos os meus shows. Eles riem, ficam histéricos, desmaiam e essa é a hipótese perfeita.

Existe algo que diz que todos somos os mesmos. Eu tenho ouvido que os russos são difíceis e que os alemães não têm sentimentos e emoções. Todos eles mostram muita emoção nos meus shows... e até mais, então. Alguns dos meus fãs mais queridos são alemães e russos. Ficam todos de pé, no frio, só para me verem um pouquinho. Eles gritam: "Nós queremos mudar o mundo. Nós te amamos."

E são pessoas jovens, sabe, não teve nada a ver com a guerra e toda aquela loucura condicionante. Eles são diferentes agora. A nova geração é diferente. São maravilhosos. Eu me sinto uma pessoa do mundo. Eu não consigo escolher um lado. Por isso odeio dizer: "Eu sou americano". Por esse motivo.

SB: Então você acredita no fato de que ter sido um dos primeiros incrivelmente bem sucedidos e famosos homens negros tenha afetado sua carreira nessa extensão? Algumas das coisas injustas que as pessoas fizeram, foi esse racismo parcial que sua mãe sofreu?

MJ: Sim, pois antes de mim, houve [Harry] Belafonte, houve Sammy [Davis Jr,), houve Nat King Cole. Eram artistas e as pessoas adoravam a música deles. Mas eles não tinham adulação, e não tinham pessoas chorando por eles e dizendo: "Sou apaixonado por você e quero casar com você". Eles não tinham pessoas rasgando a roupa e toda a histeria e gritaria. Não tocavam em estádios.

Eu fui o primeiro a quebrar esse molde, onde garotas brancas, escocesas, irlandesas gritando: "Estou apaixonada por você, eu quero você...," E boa parte da imprensa não gostou disso. Foi isso o que dificultou para mim, pois fui o pioneiro e começaram a inventar estórias: "Ele é estranho" "Ele é gay" " Ele dorme numa câmara hiperbárica" "Ele quer comprar os ossos do Homem Elefante" - Tudo para colocar as pessoas contra mim. Eles tentaram ao máximo. E ninguém morreu como viciado até agora, quem passou por tudo o que eu passei.

SB: O que te deu força para perseverar?

MJ: Acreditar nas crianças. Nos jovens. Acreditar que Deus me deu isso por um motivo para ajudar os meus filhos.

SB: Então, embora pessoas mais velhas tivessem sido más, você ainda acreditava que a geração mais jovem tinha gentileza em seus corações?

MJ: Absolutamente. Eu ainda, até hoje, estou tentando compreender. Eu estou tendo problemas em meu coração com essa coisa judia. Estou tendo problemas com isso.

SB: Que coisa judia?

MJ: Quando eu soube do tanto de crianças que morreram só no Holocausto... [começa a entristecer]. Como pode o homem fazer uma coisa daquelas? Eu não entendo. Não interessa de que raça seja. Eu não compreendo. Eu não entendo isso tudo. Realmente não entendo. Que tipo de condicionamento... Eu não entendo esse tipo de coisa. A condição de uma pessoa faz você odiá-la tanto assim? É possível que eles tivessem feito isso com o coração? Não podem fazer isso com o meu. Conseguiriam fazer isso com o seu? Sinto muito.

SB: Eles conseguiriam fazer isso, se nós nos permitíssemos ser suscetíveis ou se ferirmos nossa conexão com Deus, que exige retidão.

MJ: Hitler foi um orador genial. Ele era capaz de fazer as pessoas prestarem atenção, mudarem e odiarem. Ele tinha que ser um showman e era. Antes dele começar a falar, ele pausava, bebia muita água, e então limpava a garganta e olhava em volta. Era um 'artista' tentando saber como trabalhar sua platéia. Ele então entrava em fúria nas primeiras palavras e ele pegava a platéia. Mas de onde vinha isso? Eu sei que ele falhou na escola e queria ser um arquiteto. Ele falhou em monte de coisas. Mas eu acho que tudo começou na prisão, toda a coisa Mein Kampf, não foi? Eu acredito nisso.

(A análise de Michael de Hitler como showman foi brilhante. Eu, subsequentemente, assisti vários dos discursos de Hitler e Michael estava absolutamente certo. Hitler se levantava para falar, pausava, agitava a multidão com uma antecipação quieta, e só depois ele começava vagarosamente. Shmuley)

SB: Onde ele escreveu o livro e começou a formular suas ideias?

MJ: Sim, sim. Ele construiu aquela raiva, com tanta força, enquanto Mandela fez o oposto. Ele se tornou um cordeiro na prisão. Ele não tinha amargura, até hoje diz que, embora tenha oitenta anos e que sua juventude tenha se ido - porque ele esteve na prisão por tanto tempo - ele não se arrepende de nada.

SB: Mas ele perdeu a juventude?

MJ: Não, ele é um homem gentil e é bem como uma criança.

SB: Ele gosta de rir?

MJ: Ele ama crianças, pois quando eu fui visitá-lo, levei algumas e pessoas diziam que as crianças teriam que ficar, mas Michael Jackson podia passar. Eu disse: "Eu tenho certeza que o Senhor Mandela não vai se importar em ver essas crianças. Eu não vou, a menos que elas possam ir também."

Eu lembro que os representantes dele olharam para mim assim [Michael faz uma expressão facial de rigidez e suspeita] e voltaram e disseram: “Todos podem entrar!" A primeira coisa que Mandela fez foi ir direto às crianças para abraçá-las. Eu sabia que ele era esse homem gentil e que ele as amava. Ele conversava com elas e só depois veio me cumprimentar. Eu sabia que eu estava certo.

SB: Você é o oposto de Hitler? Deus te deu esse carisma fenomenal. Enquanto ele [Hitler] botou para fora a fera que existe no homem, você quer trazer para fora um pouco dessa inocência e bondade no homem. As forças mais obscuras e malignas foram libertadas dentro dos alemães sob a direção de Hitler. Agora, Deus te deu esse carisma fenomenal também. Você está usando isso para trazer para fora a inocência e a bondade no homem?

MJ: Eu acredito nisso. Você pode mudá-los, pois ir aos meus shows é como ter uma experiência religiosa, pois você chega de um jeito e sai diferente. É realmente assim.

SB: Esse é um dos seus objetivos, tentar puxar isso das pessoas e não só entretê-las?

MJ: Absolutamente, e fazemos isso. Eu gostaria que você pudesse ver o que conseguimos fazer nos shows. Como quando tivemos um tanque enorme no palco como num exército e um soldado sai dele aponta a arma para todo mundo. E então ele mira em mim e toda a platéia começa a vaiar. Isso acontece em todos os países... e eu pego a arma e a abaixo e todos começam a gritar.

E então uma garotinha - eu sempre trago uma menininha local - com uma flor ela vem e a entrega ao soldado, bem perto do rosto dele,e ele começa a chorar ajoelhado. E a multidão enlouquece, todas às vezes. Então, eu começo a fazer um discurso e um garotinho à frente do palco traduz esse discurso, em linguagem de sinais e você olha para a platéia e todos estão chorando. 

Acontece em todos os países. Essa parte de Earth Song. Eu tenho o embaixador da boa vontade no mundo inteiro levando essa mensagem. Então cantamos Heal the World, crianças de todas as nações dão as mãos ao redor de um globo enorme, e temos numa tela enorme mostrando os líderes mundiais ao fundo e é uma coisa incrível. 

Enquanto outros cantores cantam sobre sexo 'e eu quero entrar numa banheira quente com você baby e te esfregar todinha' e ainda assim sou eu quem sou massacrado pela imprensa sendo chamado de esquisito. Isso faz sentido pra você?

SB: É claro que não, não mesmo.

MJ: Isso não está certo, está?

SB: Isso está mudando diante dos seus olhos.E se eles não entenderam? E se eles eram como os nazistas, apenas pessoas más?

MJ: Não consigo imaginar que eu não consiga atingir o coração deles, de algum jeito.

SB: Entãovocê acredita que se você estivesse cara a cara com Hitlervocê conseguiria...

MJ Absolutamente. Absolutamente! Ele deveria ter tido muitas pessoas em volta dele que só concordavam por medo dele.

SB: Você acredita que se tivesse uma hora com Hitler ,você conseguir tocar alguma coisa dentro dele?

MJ: Absolutamente. Eu sei que conseguiria.

SB: Com Hitler? Ora, Michael! Hitler?! Então, você não acredita que alguém seja completamente mau e que não haja jeito de tocá-los. Então, você não acredita em punir a maldade porque ...

MJ: Não, eu acredito que se tenha que ajudá-los, dar terapia a eles. Tem que ensiná-los, que em algum lugar, alguma coisa na vida deles deu errado. Não vêem o que eles fazem. Não entendem que muitas vezes isso é errado.

SB: Mas Michael, claramente há pessoas que são irremediáveis. Como Hitler. Ele era o mal encarnado. Não havia humanidade ali a qual você poderia se dirigir. Você estaria falando como o abismo, com uma escuridão a qual você nunca teria testemunhado antes. E aqueles que mataram um monte de pessoas? Você não acredita que deveria não haver terapia para eles? São assassinos e precisam encarar uma punição severa.

MJ: Eu sinto horror disso. Eu desejaria que alguém pudesse alcançar o coração deles.

SB: E se eles já tivessem feito? Se já tivessem matado suas vítimas.
MJ: Se já tivessem feito, isso está errado.

SB: Eu vou esclarecer mais isso. O interessante sobre em como você vê o mundo é que você o vê com olhos de criança. Ok, o outro lado disso é que, como as crianças, você acharia difícil entender que alguém possa ser verdadeiramente mau - que é o porquê das crianças serem tão de confiança - você tem o mesmo problema. 

Mesmo quando o mal está na sua cara, você quer dizer que há alguma bondade. Então eu não pediria à alguém como você para construir todo um sistema judicial de punição, porque não seria a sua contribuição para o mundo, e francamente, você faria um péssimo trabalho.

A punição vem com os gestos da idade adulta, que são cruéis, e precisam de punição. Mas no mundo de uma criança essas coisas não existem e então não precisam ser punidas. Mas, vamos lá Michael, você realmente acha que poderia alcançar Hitler?

MJ: Uhum. Sim.

SB: Encontrando algo de bom nele, de algum jeito?

MJ: Sim, eu acho que conseguiria. Realmente acho que conseguiria. Ninguém conversava com ele pra valer. Eu acho que ele rodeado por, eu odeio dizer isso, bajuladores. Mas é isso o que eles eram. Era isso o que ele queria. E era isso o que fizeram.

SB: Ele nunca foi desafiado?

MJ: Havia alemães contra ele. Até tentaram matá-lo, lembra?

SB: Sim, Claus Von Stauffenberg. Mas ele e seus conspiradores assassinaram, no muito, umas centenas numa população de dezenas de milhões. Nessa há uma distância enorme entre você e eu, Michael. Hitler era intrinsecamente mau. Você nunca conseguiria alcançá-lo.

A única coisa a se fazer com pessoas assim é purgá-las do mundo. Então você perdoa todo mundo em seu coração, exceto certos membros da imprensa que são más e pessoas que machucam crianças?

MJ: Sim.

Fonte: The Michael Jackson Tapes by Rabbi S. Boteach