Depoimento de Rym Ghazal


''Às 03:00 de hoje, fui acordado por telefonemas e mensagens de texto de amigos e familiares de toda a região - da Arábia Saudita, Kuwait, Líbano, Jordânia, bem como os Emirados Árabes Unidos, enquanto a notícia da morte de Michael Jackson corria ao redor do mundo. 

"Eu não posso acreditar. Nós finalmente compramos os ingressos para vê-lo tocar ao vivo, e ele partiu", disse uma amiga mais próxima da Arábia Saudita, chorando como se tivesse sofrido uma perda pessoal.

Ela, como eu, vínha tentando há anos encontrar uma maneira de conhecer o nosso ídolo pop. Havia sempre alguma coisa: ou éramos muito jovens, ou nossas famílias não nos permitiram viajar apenas para um concerto. Minha amiga e seu marido, também saudita, tinham ingressos para vê-lo em Londres.

Eles têm sido fãs de Jackson desde que o álbum Thriller finalmente chegou a esta parte do mundo, e pensei que eles finalmente teriam a sua chance de vê-lo em sua turnê de retorno, que era para ter começado na capital britânica no próximo mês. Mas não era para ser.

Como a maioria de seus admiradores do Oriente Médio se obrigava a piratear ou contrabandear cópias de sua música na década de 1980 e 1990, eu não acho que Michael Jackson soubesse o quanto sua música influenciou toda uma geração de árabes, assim como dos muitos fãs que ele tinha aqui e quão dedicados eles permaneceram ao longo de suas provações.

Podemos não ter ouvido falar dos Beatles ou Elvis Presley, mas com certeza, conhecíamos Michael Jackson. Em um casamento coletivo em Jeddah, há seis anos, com a presença de 2.000 convidados de todo o Golfo, foram tocados os maiores hits de MJ e que fizeram o maior sucesso com os convidados. Na ala masculina do salão do casamento, os jovens, vestidos com roupas tradicionais, competiram entre si para ver quem poderia dançar o melhor moonwalk e que reinaria como o melhor ''dançarino MJ''.

Este era o cenário na década de 1980 e de 1990, e ainda nesta década, quando sua música era tocada em ocasiões especiais, desde aniversários e casamentos a festas escolares e passeios de praia, e até mesmo dentro das residências das famílias mais conservadoras. Havia algo sobre ele e suas músicas que realmente tocavam.

Quando éramos adolescentes, muitas vezes tocávamos escondidos a música de MJ em nossa escola - na Arábia Saudita - e as compartilhávamos entre nós, guardando as fitas em plástico comum para esconder o fato de que estávamos ouvindo sua música.

Havia temores entre a polícia religiosa sobre a sua "influência" sobre a mente jovem, especialmente quando canções como Bad e Beat It foram copiadas e cantadas, até mesmo dubladas em árabe, pelos jovens e rebeldes. Não nos preocupávamos com a sua vida pessoal, isso não nos importava. O importante eram as músicas. Nós nos identificávamos com os temas da solidão e rejeição em suas letras.

Após a primeira Guerra do Golfo, os jovens em países como Arábia Saudita, Iraque e Kuwait ouviam suas músicas buscando força e inspiração. Incluindo a mim, mesmo que eu não entendesse todas as palavras, naquela época.

De muitas maneiras - e apesar das reservas sobre a política externa recente de Washington - que era um símbolo da América como uma terra de oportunidades, especialmente para uma geração de árabes que haviam crescido durante o conflito, as pessoas davam seu nome aos seus carros, para não falar de seus animais de estimação - o meu gato se chama MJ.

A canção We are the World, que MJ co-escreveu em 1985, é frequente nas festas escolares. Mesmo seus álbuns mais recentes conquistaram seus fãs do Oriente Médio, enquanto músicas como Scream, por exemplo, muitas vezes é tocada entre os jovens grupos que se sentem frustrados, controlados e limitados pelo sistema, seja oficial ou cultural.

Muitos pais do Oriente Médio eram mais felizes quando seus filhos preferiam MJ ao invés de outros cantores da época, como Madonna, com sua ênfase em si mesma e no sexo.

"Você podia sentir seu coração em suas músicas, e suas músicas tocam em questões universais e nós podíamos nos identificar com suas canções", me disse um amigo dos Emirados.

Em 2005, quando Jackson estava procurando um refúgio de toda a publicidade negativa e perseguição pela mídia, ele escolheu Bahrain como um santuário, onde ele não seria julgado tão duramente ao voltar para casa.

Eu não posso pensar em outro artista estrangeiro que tenha se infiltrado em nossa cultura tanto quanto ele. Infelizmente, em uma carreira que durou quase toda a sua vida e lhe permitiu visitar mais de 100 cidades em cinco continentes, MJ nunca se apresentou no Oriente Médio.

Houve boatos de que a próxima turnê poderia incluir uma data nos Emirados Árabes Unidos, mas sua morte repentina frustrou as esperanças de dezenas de milhares de fãs que se espelhavam em suas canções.''

Rym Ghazal (depoimento de fã do Oriente Médio)

Fonte: http://www.thenational.ae