A reflexão de Daniel Jobim


''Michael Jackson não andava, flutuava. Sempre a um palmo do chão. Quando saí do elevador no hotel em Tóquio, senti algo diferente no ar. Perguntei para a recepcionista o que acontecia, e a japonesa falou: "Superstar Michael Jackson". Por pura sorte, na mesma hora, ele saiu do elevador ao lado, todo de preto, chapéu, sapato, calças, camisa e máscara. Parecia o Zorro.

Fiquei parado olhando ele passar, na verdade, deslizar, flutuar na minha frente. Michael Jackson era tenor, gostava das notas altas, nas alturas buscava sempre o seu limite, gravava o mais agudo que conseguia, no limite do impossível, depois pedia para os produtores irem baixando o tom, comunicando-se através de pequenas notas escritas. Entrava no estúdio durante a noite sem ninguém por perto, ouvia a música e escrevia num papel: "Desce meio tom". Na noite seguinte ouvia e escrevia de novo: "Desce meio tom".

Sou muito fã de Michael desde o Moonwalk, e me lembro de meu avô imitando o astro, antecipando os acordes: "Vou fazer que nem o Michael Jackson, olha!", e ria. Michael gostava de antecipar os ritmos, fazia uma mistura de ritmos com a voz, que ia se sobrepondo até formar aquele groove. Tínhamos uma parceira e amiga em comum, Carole Bayer Sager.

Certa vez, na casa de Carole, trocávamos idéias no piano, escrevendo, e, ao olhar pela janela, vi Michael lá fora, num carrinho de golfe, voltando de um pequeno lago que tinha no jardim. Ele foi buscar inspiração, ouvindo de longe o piano, e eu não sabia que ele estaria lá escondido. Foi a última vez que o vi. Antes de entrar no meu táxi, passei no carro dele para me energizar e, com certeza, recebi toda a energia. Uma Ferrari vermelha reluzente, com a placa "MICHEY"... Só Michael Jackson, dirigindo por Bervely Hills em sua Ferrari vermelha e querendo não ser visto.''


Daniel Jobim
*Pianista, cantor e compositor brasileiro, Daniel Jobim também é neto de Tom Jobim, que foi um compositor, maestro, pianista, cantor, arranjador e violonista brasileiro.

Fonte: MJBeats