Amor e Ódio


''Há quem diga que o amor e o ódio são sentimentos paralelos, também acrescentam dizendo que esses sentimentos, apesar de paralelos, correm em sentidos opostos. Bem, isso não importa muito aqui, mas na obra de Michael Jackson dá para se aprender muito sobre composição quando se ouve uma música de amor e outra de ódio.

Estou sempre aqui falando sobre a composição e as formas de se traduzir a emoção em variações sonoras dentro de uma música (vide o texto passado Soul Translator), o amor e o ódio, dentro desse contexto, são os dois extremos do eixo que sustenta as emoções e, conseqüentemente, a música.

Para falar de amor, geralmente os artistas usam ritmos em velocidades mais lentas, o ódio traz ritmos rápidos. Compare as batidas de Break Of Dawn com Privacy! Isso é o mais óbvio, claro. O mais importante não está nem na letra e nem na velocidade da canção, e sim na relação entre a harmonia e a melodia.

(Para quem não sabe, a melodia é a parte da música onde se coloca a letra, onde se canta em cima de algumas notas. A harmonia é todo o resto de acordes que estão sob a letra e suas consequentes consonâncias e dissonâncias entre a letra/melodia e as notas que compõem a harmonia).

No fundo, a coisa é bem simples. Você ouve, por exemplo, Heal The World; é quase uma canção de ninar... Dá uma paz... Sim, é disso mesmo que ela fala, ora bolas... Você ouve Scream, a música é agitada, barulhenta, irritada... E o que mais poderia ser? A música é para ser realmente um grito!

Uma música onde se pode notar bastante a diferença entre amor e ódio dentro da obra de Michael é Earth Song. Ela começa devagarzinho, bem leve e sutil, Michael vai perguntando sobre o futuro do planeta, pedindo uma reflexão... nessa parte nem há percussão, quando entra o primeiro refrão é que entra só uma meia-lua (aquele pandeirinho sem pele) e mesmo assim logo pára.

A percussão é um forte instrumento na representatividade dos sentimentos. Só a título de curiosidade: Músicas compostas em 120 bpm (batidas por minuto) geralmente têm melhor resposta do público, pois estão dentro de um múltiplo dos nossos batimentos cardíacos.

A percussão têm esse poder de colocar a pessoa no ritmo da música, daí surge a dança, a expressão corporal enfim. A percussão nasceu há milhares de anos, foi um dos primeiros instrumentos inventados pelo homem, e possui um forte elo com as sensações. Não os sentimentos! Mas as sensações, porque uma coisa é uma coisa, e outra é outra (que explicaçãozinha desgraçada né? – mas vocês entenderam...).

Bem, depois (ainda falando sobre Earth Song) a estrofe (parte da música que não é refrão) já ganha uma percussãozinha, leve, mas está lá, a música começa a ganhar mais peso, fica um pouquinho menos dentro daquela tristeza pacífica, começa a ganhar ritmo e poder.

Mais adiante, o último refrão entra depois de uma forte batida de caixa, e a bateria contempla oset de percussão com uma pegada violenta, sonora e apoteótica.

É nessa hora que Michael começa a cantar forte, gritando, perguntando “E quanto a nós? Quanto aos jovens e aos velhos? Quanto às crianças morrendo? Quanto à paz?“ e etc. Esta música é um belo exemplo, pois o amor vira ódio dentro de uma só canção, simplesmente se alterando a percussão e a impostação da voz.

E Morphine, então? A música é nervosa, irritadiça, parece que está machucando os ouvidos. Lá no meio começa um pianinho e Michael canta: “demerol... demerol... demerol...” (para quem não sabe, demerol é um remédio para dor), numa parte onde a música sai da perspectiva da dor de quem canta, e passa para quem observa, com dor no coração, a dor física de um doente.

Como eu disse no texto passado, não é fácil traduzir sentimento em música, esse é o valor de um compositor e também do arranjador. Michael é impecável. Mesmo sem as letras saberíamos dizer qual o sentimento envolvido em suas canções. Saberíamos ao menos dizer se é amor ou ódio, tristeza ou alegria, conforto ou saudade...

Talvez a vida enclausurada de um homem que nem sempre pôde se expressar como qualquer um de nós tenha feito de Michael Jackson um excelente compositor de sentimentos, pois sua única forma de expressão livre ainda é a sua música, e é sob essa música que ele vive desde os cinco anos de idade. Acho que já deu para ele aprender um pouquinho sobre o assunto né?

O mestre Jackson aprendeu a colocar sua dor e sua alegria na música, e a maravilha das suas composições me parece trazer toda a riqueza de um ser humano comum, que foi privado desse direito de ser simplesmente “comum”.

Por Dayan Blue

Fonte: MJBeats