Esses diálogos entre Michael e o Rabino Shmuley Boteach
foram gravados entre agosto de 2000 e Abril de 2001.
Parte 44 - Sobre Infância, Solidão e desenhos animados
SB: Houve alguma idade específica onde você percebeu: "Oh, nossa, perdi minha infância?¨
MJ: Sim, eu me lembro distintamente...É como estar numa viagem onde não se pode sair e pensar: "Oh meu Deus, O que eu fiz?" E você está comprometido e não pode sair. Isso me aconteceu antes da adolescência. Eu queria tanto brincar no parque do outro lado da rua, onde outros garotos jogavam baseball e futebol, mas eu tinha que trabalhar.
Eu podia ver o parque depois da rua. Mas eu tinha que ir para o outro prédio para trabalhar nos álbuns, até tarde da noite. Eu me sentava lá e ficava olhando as crianças, com lágrimas rolando pelo rosto e eu dizia: "Eu estou preso e eu tenho que fazer isso pelo resto da minha vida. Eu tenho um contrato." Mas queria muito ir lá e isso estava acabando comigo, só para fazer um amizade, para dizer um 'oi'. Eu costumava andar pelas ruas procurando alguém para conversar. Eu te disse isso.
SB: Quantos anos você tinha?
MJ: Foi durante a época de Thriller.
SB: Então você era a maior estrela do mundo e...
MJ: Eu estava procurando alguém para conversar. Eu era tão solitário que chorava no quarto. Eu pensava: "É isso. Eu vou sair daqui!" E eu saia pelas ruas. Eu me lembro de perguntar para pessoas: "Quer ser meu amigo?"
SB: Eles provavelmente ficavam em choque.
MJ: Eles ficavam assim: "Michael Jackson!" E eu pensava: "Oh Deus! Eles vão ser meus amigos só porque eu sou Michael Jackson? Ou por apenas por mim?" Eu só queria alguém com quem conversar.
SB: E você encontrou?
MJ: Sim, bom, eu fui ao parque e havia garotos se divertindo.
SB: Foi aí que você decidiu que crianças eram a resposta. Eram as únicas que te tratavam como pessoa?
MJ: Sim, é verdade.
SB: Então foi nessa idade que você percebeu: "Oh nossa! Eu perdi minha infância, porque essas são as únicas pessoas com quem eu posso me identificar!"
MJ: Eu sofri muito nesse processo. Eu sabia que havia algo errado comigo, nessa época. Mas eu precisava de alguém... Provavelmente é por isso que tenho manequins. Eu diria que eu sentia que precisava de pessoas, e eu não tinha... Eu era tímido demais para estar com pessoas reais. Eu não conversava com elas. Eu era meio que como velhinhas conversando com plantas. Mas eu pensava que eu queria algo que me fizesse sentir que eu tinha companhia. Eu sempre pensava: "Porque eu tenho isso?" Eles eram como bebês, crianças, e pessoas, e me faziam sentir que havia pessoas comigo.
SB: Por que você era tão tímido para conversar com pessoas reais? Era por que você só havia aprendido a performar e não tinha tido a oportunidade de sair?
MJ: É isso. Não havia 'saídas'.
SB: Você ainda se sente solitário?
MJ: Não do jeito que era. Não.
SB: Logicamente que você, tendo filhos, isso fez uma grande diferença. Mas há uma parte de nós que não é apenas ser pai. Há uma parte de nós que precisa de outras formas de interação.
MJ: Que tipo de interação?
SB: Alguém em que você possa buscar alívio emocionalmente, de uma forma que Prince e Paris não poderiam entender.
MJ: Mmmmm. Amigos e certamente pessoas em que se possa confiar. Elizabeth [Taylor], ou quem quer que seja... Mac [Macaulay Culkin], Shirley Temple [Black], pessoas que estiveram lá.
SB: Então, são sempre pessoas que passaram pelo o que você passou, todas essas estrelas mirins?
MJ: Eles dizem: "Sim, eu sei o que você quer dizer" mas não sabem. Só estão tentando concordar com você.
SB: Você sempre discute com amigos que foram estrelas mirins coisas individuais que aconteceram com eles? Ou você nem precisa dizer: "Você meio que entende?"
MJ: Sabe, é como telepatia. Eu gostaria que você pudesse ter visto Shirley Temple e eu.
(Apenas algumas semanas antes dessa conversa Michael tinha ido visitar Shirley Temple Black em São Francisco.)
SB: Você ainda tem contato com ela?
MJ: Vou ligar para ela. Eu tenho que ligar para ela de novo. Eu sempre a agradeço e ela continua me perguntando porquê e eu respondo: " Por causa de tudo o que você fez por mim!"
SB: Acha que irá dedicar uma canção para ela?
MJ: Eu adoraria.
SB: Então Macaulay Culkin não precisa te dizer: " Eu estava no set e isso aconteceu com o meu pai." Vocês nem precisam ter uma conversa assim?
MJ: Oh sim. Há um pequena alma preciosa que é um bebê, Macaulay Culkin, que imaginava: "Como fui pego em tudo isso? Eu nunca pedi para ser ator." Ele sempre quis sair. Você precisa observar a energia dele quando ele fica nervoso com o pai, cara, isso o fere e é isso o que acontece, sabe? Oh, mas eu me vejo como ele. [Michael grita] " Mac venha aqui!" o grito...
SB: Então isso te relembra o que você teve que passar? Ele fez muitas escolhas que você fez. Ele tentou segurar a infância dele o quanto possível. Mas há outras estrelas mirins que não conseguiram, como Brooke Shields, que para o mundo parece não ter tido escolhas na infância, ela não tentou redescobrir a infância dela. Você acha que é um preço? Você acha que Macaulay Culkin, você e outros possam ser mais saudáveis porque entendem o que perderam e que precisam compensar?
MJ: Sabe, com certa pessoas eu entendo e com outras não. Com ela começou como sendo modelo, então não era como estar no set o dia todo, todos dos dias. Ela era modelo. Ela não era uma estrela de cinema até querer. Eu acho que foi em Pretty Baby onde ela interpretou uma prostituta na idade de... Eu acho que foi por volta dos 12 anos. Era mais fotografia, então não era como foi para nós, o dia todo, da manhã à noite. Eu acho que isso afeta as pessoas de formas diferentes, mas é sempre a mesma coisa. Ela é doce, esperta. Não é uma tonta. Ela é esperta mesmo. Muita gente pensa que quando alguém bonito é tonto também. Mas ela é muito esperta.
SB: Quais outras estrelas mirins você teve amizade?
MJ: Não sobraram muitas delas. O que assusta. Muitas delas se destroem.
SB: Aos treze anos, você se tornou personagem de uma série de desenhos animados. Foi difícil lidar com isso?
MJ: Eu acordava toda manhã de sábado. Mal podia esperar.
SB: Para assistir os Jacksons?
MJ: Para assistir o desenho dos Jackson Five. Eu me sentia tão honrado por ter virado personagem de desenho. Eu estava tão feliz, você não faz ideia. Não tinhamos que fazer nada. Era a voz de outra pessoa. Eles só nos 'animaram' e usaram nossas canções que cantamos por anos e anos.
Eu me lembro de estar em Brunei num hospital fazendo um show para o Sultão. Era o hospital mais bonito que eu já tinha visto na vida e eu estava lá deitado na cama e na TV estava passando o desenho dos Jackson Five, e eu não podia acreditar. Era exibido o tempo inteiro. A mesma companhia fez os Beatles, The Osmonds e os Jackson Five.
SB: Então era uma das coisas que você mais gostava?
MJ, Oh, eu adorava.
SB: Isso fez você se sentir mais conectado com as crianças pelo mundo? Pois você sabia que elas iriam assistir, certo?
Fonte: The Michael Jackson Tapes by Rabbi S. Boteach