Michael Jackson na Praça Vermelha em Moscow |
As nuvens estavam baixas, a lama enegrecida e gordurosa deixava as calçadas escorregadias, e as ruas à noite, com poucos anúncios luminosos, eram predominantemente escuras. Moscou, em suma, tinha um olhar desgastado, ainda ''soviético''. Moscou era nova e estranha e até mesmo, ameaçadora.
(Era estranha e ameaçadora para muitos russos também, é claro, pois a tensão política se elevava, propiciando a revolta armada contra o presidente Yeltsin até o final do mês)
Mas quando eu descobri que Michael Jackson estava programado para atuar ao vivo no Estádio Luzhniki, como parte de sua Dangerous World Tour, eu fiz o que eu nunca tinha feito antes: eu comprei um ingresso para o seu concerto.
Ele melhorou o meu humor e tornou suportável meus dias em que eu passava trancado, escrevendo o meu primeiro livro, no meu apartamento de um quarto em um edifício em ruínas, feito de blocos de cimento.
Enquanto eu servia como voluntário no Corpo da Paz em Marrakesh um par de anos antes, os marroquinos muitas vezes me perguntavam se, sendo americano, eu o conhecia.
Os russos não eram tão ingênuos, mas parecia que todos em Moscou, naquela época, tinham uma opinião sobre Michael: em geral, o amavam.
Que tal astro americano estava prestes a chegar em sua capital significava muita coisa para eles. Os estrangeiros ainda eram uma novidade na Rússia, os tempos eram difíceis e sombrios e sua aparição prometia lançar uma luz abundante, com bastante antecedência.
O aquecimento centralizado ainda não havia chegado no meu edifício. Na noite do show, lembro-me de me sentir úmido e frio, enquanto eu colocava a minha capa de chuva. Peguei meu guarda-chuva e me preparei para sair.
Eu ainda não estava muito a fim. Em meu diário para esse dia, mais tarde, eu escrevi: Seraya Jizn [a vida cinza].
Saí para a garoa e olhei para o céu cinzento, para os edifícios de concreto cinza e as enormes poças. Estar sozinho neste apartamento miserável... viver pobre... lutando com o meu livro, minha última chance.
Eu peguei o metrô para Luzhniki. A multidão nos carros era principalmente jovem e animada e, de vez em quando, entre o barulho do trem nos túneis, eu ouvia Dzhekson ... Dzhekson... Michael Dzhekson!
Setenta mil fãs não foram suficientes para lotar o estádio enorme, havia assentos vazios, provavelmente devido ao alto preço dos ingressos e o clima terrível. Lembro-me de estar a 30 metros do palco. A chuva era constante e eu podia ver a fumaça na respiração das pessoas, estávamos encharcados, com ou sem guarda-chuvas ou capas de chuva.
Ele estava com uma hora de atraso, depois já eram duas horas. Periodicamente, as imagens de seus olhos felinos apareciam brilhando em uma grande tela de vídeo acima do palco, e as pessoas começavam a gritar. Eu não gritei, mas eu certamente estava animado.
As imagens, então, desapareciam. Nos intervalos, as pessoas ficavam grande parte em silêncio, como se gritar pudesse assustá-lo. A respiração pulsava dentro da chuva o céu escurecia, e não havia futuro: apenas uma expectativa trêmula.
Depois de duas horas e meia, uma luz iluminou gradualmente o centro do palco e revelou Michael ali, já com sua mão repousando no chapéu, o joelho engatilhado. Sua respiração soprava branca na chuva, agora gelada.
("Ele está respirando!" Uma menina gritou ao meu lado.)
A multidão rugiu, as pessoas começaram a saltar para cima e para baixo. Ele lançou Jam. Logo alguém na gestão aparentemente decidiu que a chuva representava uma ameaça para Michael.
Senhoras com lenços na cabeça (do tipo tão comum em Moscou) secavam o excesso de água, para Michael não escorregar. enquanto ele cantava, girava e pulava.
Ele dançava entre elas, em torno delas, e nunca perdia um passo. Ele foi logo para Billie Jean e, no momento de seu primeiro moonwalk, eu não percebia mais a chuva ou as velhinhas.
Em algum momento, ele fez uma pausa e o palco ficou escuro. Parecia que todos nós havíamos prendido a respiração. Ninguém falava, todo mundo só olhava para o palco. Poucos minutos depois, as luzes do palco voltaram e ouvimos sua voz, terna e suave:
"Está frio como gelo, lá fora."
Ele sentia o frio como nós sentíamos, mas ele foi capaz de se apresentar e deslumbrar a todos nós. Isso parecia simplesmente incrível. Eu já estava dolorido e duro lá, em pé, mas ele podia dançar.
Eu nunca tinha pensado que as estrelas da música poderiam sofrer com o frio no palco. (Este era, afinal, o meu primeiro concerto de qualquer tipo) Ele voltou e cantou para mais uma hora.
Sua breve estada em Moscou, aparentemente atingiu-o com força, fazendo-o sentir-se solitário. Foi quando ele compôs sua música Stranger in Moscow.
Ela contém as linhas: Eu estava vagando na chuva / Os dias ensolarados parecem distantes / As sombras do Kremlin me envergonham / O túmulo de Stalin não me deixa ser / Um estranho em Moscow.
A KGB certamente não o perseguia em 1993, mas suas palavras bem expressam o quão solitário, muitas vezes, eu me senti durante o meu primeiro ano na capital russa.
Michael me uniu com o público russo de forma visceral. Melhor dito, não havia americanos ou russos no público, éramos apenas todos admiradores de Michael.
Eu nunca mais fui a um show, desde então. Seu desempenho, e o que significou para aqueles que testemunharam, há muito tempo, aquele dia chuvoso de setembro, estabeleceu um padrão muito alto para corresponder.
Descanse em paz, Michael. O povo de Moscou e eu nunca lhe esqueceremos.''
Jeffrey Tayler
Jeffrey Tayler é um escritor e jornalista norte-americano, correspondente na Rússia da revista americana ''Atlantic Monthly'' e colaborador de várias outras revistas. Poliglota, Jeffrey também é autor de diversos livros de não-ficção sobre diferentes regiões do mundo. Vive na Rússia desde o verão de 1993.
Nota do blog: Este show aconteceu no dia seguinte às denúncias de abuso sexual (leia-se: tentativa de extorsão) feitas por Evan Chandler.
Saí para a garoa e olhei para o céu cinzento, para os edifícios de concreto cinza e as enormes poças. Estar sozinho neste apartamento miserável... viver pobre... lutando com o meu livro, minha última chance.
Eu peguei o metrô para Luzhniki. A multidão nos carros era principalmente jovem e animada e, de vez em quando, entre o barulho do trem nos túneis, eu ouvia Dzhekson ... Dzhekson... Michael Dzhekson!
Setenta mil fãs não foram suficientes para lotar o estádio enorme, havia assentos vazios, provavelmente devido ao alto preço dos ingressos e o clima terrível. Lembro-me de estar a 30 metros do palco. A chuva era constante e eu podia ver a fumaça na respiração das pessoas, estávamos encharcados, com ou sem guarda-chuvas ou capas de chuva.
Ele estava com uma hora de atraso, depois já eram duas horas. Periodicamente, as imagens de seus olhos felinos apareciam brilhando em uma grande tela de vídeo acima do palco, e as pessoas começavam a gritar. Eu não gritei, mas eu certamente estava animado.
As imagens, então, desapareciam. Nos intervalos, as pessoas ficavam grande parte em silêncio, como se gritar pudesse assustá-lo. A respiração pulsava dentro da chuva o céu escurecia, e não havia futuro: apenas uma expectativa trêmula.
Depois de duas horas e meia, uma luz iluminou gradualmente o centro do palco e revelou Michael ali, já com sua mão repousando no chapéu, o joelho engatilhado. Sua respiração soprava branca na chuva, agora gelada.
("Ele está respirando!" Uma menina gritou ao meu lado.)
A multidão rugiu, as pessoas começaram a saltar para cima e para baixo. Ele lançou Jam. Logo alguém na gestão aparentemente decidiu que a chuva representava uma ameaça para Michael.
Senhoras com lenços na cabeça (do tipo tão comum em Moscou) secavam o excesso de água, para Michael não escorregar. enquanto ele cantava, girava e pulava.
Ele dançava entre elas, em torno delas, e nunca perdia um passo. Ele foi logo para Billie Jean e, no momento de seu primeiro moonwalk, eu não percebia mais a chuva ou as velhinhas.
Em algum momento, ele fez uma pausa e o palco ficou escuro. Parecia que todos nós havíamos prendido a respiração. Ninguém falava, todo mundo só olhava para o palco. Poucos minutos depois, as luzes do palco voltaram e ouvimos sua voz, terna e suave:
"Está frio como gelo, lá fora."
Ele sentia o frio como nós sentíamos, mas ele foi capaz de se apresentar e deslumbrar a todos nós. Isso parecia simplesmente incrível. Eu já estava dolorido e duro lá, em pé, mas ele podia dançar.
Eu nunca tinha pensado que as estrelas da música poderiam sofrer com o frio no palco. (Este era, afinal, o meu primeiro concerto de qualquer tipo) Ele voltou e cantou para mais uma hora.
Sua breve estada em Moscou, aparentemente atingiu-o com força, fazendo-o sentir-se solitário. Foi quando ele compôs sua música Stranger in Moscow.
Ela contém as linhas: Eu estava vagando na chuva / Os dias ensolarados parecem distantes / As sombras do Kremlin me envergonham / O túmulo de Stalin não me deixa ser / Um estranho em Moscow.
A KGB certamente não o perseguia em 1993, mas suas palavras bem expressam o quão solitário, muitas vezes, eu me senti durante o meu primeiro ano na capital russa.
Michael me uniu com o público russo de forma visceral. Melhor dito, não havia americanos ou russos no público, éramos apenas todos admiradores de Michael.
Eu nunca mais fui a um show, desde então. Seu desempenho, e o que significou para aqueles que testemunharam, há muito tempo, aquele dia chuvoso de setembro, estabeleceu um padrão muito alto para corresponder.
Descanse em paz, Michael. O povo de Moscou e eu nunca lhe esqueceremos.''
Jeffrey Tayler
Jeffrey Tayler |
Nota do blog: Este show aconteceu no dia seguinte às denúncias de abuso sexual (leia-se: tentativa de extorsão) feitas por Evan Chandler.
Neste blog também temos um depoimento emocionante do cineasta Samvel Gasparov sobre este mesmo show. Clique aqui
Fontes:
http://en.wikipedia.org
http://www.worldhum.com