Darryl Dennard entrevistou Michael Jackson em 1987


Entrevista concedida por Michael Jackson para Darryl Dennard 
[Ebony/Jet Showcase] em Setembro de 1987

Darryl Dennard: Você passou quase 4 anos sem gravar ou divulgar um novo álbum. Como você se sente agora que o disco saiu?

Michael Jackson: Na verdade, eu me sinto rejuvenescido, porque depois de trabalhar nele durante tanto tempo... é muito trabalho. A maioria das pessoas estão acostumadas a ver só o resultado do trabalho, nunca vêem a outra parte, todo o trabalho que leva a criar esse resultado e eu me sinto rejuvenescido e feliz. É como uma jubilação, assim é... uma celebração, é como dizer: “Nós alcançamos!''


Darryl: Quanto tempo levou? Creio que você compôs 8 ou 7 das canções. Quanto tempo foi necessário para desenvolver todo esse processo criativo?

Michael: Não recordo. Realmente. Não paro para contar as horas ou algo assim. Cada canção é diferente, às vezes, acontece mais rápido, às vezes, é mais demorado. Na realidade, ninguém pode definir o que é o processo criativo, porque eu não tenho nada a ver com ele, é algo que se cria no espaço, é obra de Deus, não minha.

Darryl: Eu respeito isso. Deus nos presenteia tanto tantas vezes... e você realmente recebeu imensas bênçãos. Contudo, parece que você também teve que pagar um preço. Não lamenta, às vezes, o fato de ser tão famoso?

Michael: Não... Às vezes, só às vezes. Às vezes, eu gostaria de poder andar por aí, sem que se forme algum alvoroço, mas não posso, nunca funciona, porque as pessoas logo se dão conta e se agrupam ao seu redor. São muito amáveis, eu não estou me queixando, mas...

Darryl: Não, mas você teria o direito de reclamar, porque todo mundo tem direito a sair e poder estar sozinho, mas parece que você não tive esse direito.

Michael: É parte do trabalho, eu suponho...

O vídeo com a entrevista


Darryl: Me fale da canção Bad. Antes, nós falamos e você disse que gosta da canção porque, realmente, fala sobre você. É, na verdade, o mais "temível" da indústria discográfica.

Michael: Bom... É algo muito diferente de qualquer outra coisa, que nunca havia gravado ou escrito. É contundente, uma declaração, mas digo de forma legal... não há que se tomar por tão sério. E digo... É uma forma de dizer que você tem estilo, que você é bom, atrevido. Não estou querendo dizer que sou ''mau'' no sentido literal. Se supõe que se possa interpretar. É uma declaração atrevida.

Darryl: E o que você me diz sobre o vídeo? Do vídeo e também a respeito de outras coisas deste disco, é que muitas das canções contém uma mensagem social, e no vídeo Bad, também podemos vê-la. Sei que, provavelmente, você não passou por nenhuma experiência assim, mas eu me chamo ''Darryl'' [como o protagonista do vídeo].

Michael: Sim, eu sei.

Darryl: E tive que crescer no Harlem e no South Bronx, e eu ia para a escola e também tive que sofrer as pressões dos companheiros em meus ambientes. Como surgiu a ideia de fazer essa aula de história?

Michael: Bom, na realidade não foi ideia minha, se trata de uma história real, em que um garoto tenta...

Darryl: É minha própria história, de certa forma...

Michael: Certo, mas o que realmente sucedeu com este garoto...

[Frank Dileo, gerente de Michael, passa toda a entrevista fazendo brincadeiras [caretas] atrás das câmeras.]

Michael: Não faça caretas. [Falando para Frank Dileo].


Darryl: Então, você escreveu a história para o vídeo? Você falou de uma história que quase poderia ser a história da minha própria vida, mas ela foi baseada em alguém?

Michael: Sim. É isso. Trata-se de um garoto que ia à escola ao norte, no Estado onde vivia. Era alguém que vinha do gueto, que queria fazer algo por sua vida e deixou para trás seus velhos amigos e, ao regressar nas férias de primavera par ao Dia de Ação de Graças, seus amigos sentiram tanta inveja e tanto ciúme que o mataram - mas no vídeo eu não morro, claro. Assim, é uma história real, nós a pegamos da revista Times ou Newsweek. É um garoto negro, como eu, é uma triste história, mas... perdão?

Darryl: Como você se sente ao ver histórias tão tristes como esta?

Michael: Oh, é muito triste, porque é tudo negativo, é terrível. Creio que a vida é o desejo de crescer, de seguir avançando; é como plantar uma semente e, ao crescer, se converte em algo bonito e é algo que nunca morre realmente. Creio que as pessoas deveriam vê-la assim.

Darryl: Sabe, minha canção favorita do disco é Man In The Mirror.

Michael: Oh sim, eu gosto muito.

Darryl: É minha canção favorita. Eu me identifico-me com a ideia de que, sem importar o que fizer no mundo, tudo deve começar dentro de você.

Michael: Essa também é a minha filosofia: “Se quer que o mundo seja um lugar melhor, olhe em seu interior e comece a mudá-lo.” É tão simples.

Darryl: É algo fácil de fazer.

Michael: Sim, bom... as pessoas não olham em seu interior com honestidade; a culpa sempre é do outro ou de alguém mais acima. Tem que mudar a você mesmo! Olhar para você mesmo e mudar.

Darryl: Quanto você se olha no espelho, está contente com o que vê?

Michael: Em que sentido?

Darryl: Quando você se olha a si mesmo, com respeito a essa filosofia.

Michael: Nunca me sinto totalmente satisfeito. Sempre desejo que o mundo seja um lugar melhor e isso é o que trato de fazer com minha música: levar felicidade às pessoas, levar gozo e paz para suas vidas.

Darryl: Você é uma pessoa religiosa?

Michael
: Perdão?... Sim, eu faço muitas orações, sim. Vejo um lindo entardecer e digo: Deus, é lindo, obrigado. O sorriso de uma criança, as asas de uma mariposa ou...coisas assim...

Darryl: Na versão do álbum I Just Can't Stop Loving You, você sussurra com sensualidade algumas palavras a uma mulher encostada em você.

Michael: Gravei isso encostado na cama.

Darryl: Sim? Realmente?

Michael: Eu estava coberto com os lençóis e tudo quando gravei. E às escuras.

Darryl: E a letra diz: “Porque as pessoas realmente não me compreendem...”

Michael: Sim, digo: “Muitas pessoas me interpretam mal porque não me conhece.'' E creio que é assim. As pessoas creem nas absurdas histórias que leem. Há coisas que são certas e coisas que não... e...

Darryl: E dói esse tipo de história?

Michael: Às vezes, mas faz parte do trabalho.

Darryl: E você não se levanta para se defender? Para dizer “Isso não é verdade”?

Michael
: Sim, muitas vezes... mas, para que atrair mais atenção, fazendo algo assim?

Darryl: Tenho outra canção favorita, não tanto quanto Man in The Mirror, mas... Liberian Girl. Há alguma Liberian Girl em tua vida?

Michael: Não. Essa eu escrevi em minha casa, na sala de jogos, creio que estava jogando “pinball” ou algo assim e logo a canção veio a minha mente, e creio que corri escada acima, a gravei em uma fita e assim saiu Liberian Girl, o mesmo aconteceu com ''We are the world, we are the children...”

Eu realmente não sei de onde vêm as frases, elas simplesmente chegam: “we are the ones who make a brigthter day so let's star giving...” Não tive que pensar nisso, simplesmente chega... chega.

Darryl: Nós falamos sobre... algo que você disse antes, que lhe tomou muito tempo... terminar todas as canções do álbum e cada canção é diferente... tem influência calypso, influencia reggae... tem um novo som, em uma delas... tem um heavy metal em Dirty Diana...

Michael: Eu gosto de Dirty Diana, é uma das minhas favoritas.

Darryl: Por quê?

Michael: Porque conta a história de uma “groupie”... eu detesto a palavra “groupie”, mas é isso que é... e é algo que eu mesmo tenho vivido, e igual a muita gente que tem crescido no mundo artístico... não me lembro de outra coisa que não seja me apresentar, e...

Darryl: Você sente que perdeu algo por ter estado se apresentando durante toda a sua vida?

Michael: Sem dúvida. Mais também tenho ganhado muito. Muita gente jamais saiu de sua cidade, não tem a possibilidade ver tantos lugares maravilhosos. Muitos leem sobre coisas que eu tenho a oportunidade de ver pessoalmente em diferentes lugares ao redor do mundo... então sou muito feliz por isso... não se pode ter tudo.

Darryl: Como você se sente quando chega a algum lugar para fazer um show e há, literalmente, dezenas de milhares de pessoas avançando sobre você só para poder lhe ver?

Michael: É uma sensação incrível. Sobretudo quando se vê seus sorrisos... amos os fãs... é adorável... me sinto verdadeiramente agradecido... não troco por nada.

Darryl: O que diria... o que mais lhe interessa na vida?

Michael: O que mais me interessa na vida... aprender... descobrir novas coisas, explorar diferentes mundos... agora estou interessado na anatomia humana... o cérebro, e tantas outras coisas... os ossos... tudo isso.

Darryl
: Eu sei que isso é um tema delicado, mas... você está interessado nos ossos do “Homem Elefante” John Merrick por conta do seu interesse em anatomia?

Michael: Sim. Eu estive na Escola de Medicina em Londres por duas vezes e visitei os restos de John Merrick, por quem sinto uma certa empatia. Eu gosto da história do Homem Elefante... é uma história muito triste e...

Darryl: Você gostaria de fazer, algum dia, um remake do filme ou da obra?

Michael: Hum... talvez... talvez... creio que já foi bem feito com David Lynch e creio que era John Hurt quem interpretou o papel de John Merrick. Não acredito que possa fazer algo melhor do que eles tenham feito.

Darryl: A parte que eu gosto é quando, depois de haver ganhado confiança ao regressar ao mundo e depois de passar pelo hospital e entrar na estação do subúrbio e finalmente tem que gritar...

Michael: Oh, sim: “Me deixe em paz!”

Darryl: “Me deixe em paz!, eu não sou um animal...!”

Michael: “Sou um ser humano!”

Darryl: Nós, como seres humanos, não tratamos muitas vezes os demais como animais?

Michael: É verdade. A desumanidade do homem com o homem... sobre isso é que trata a guerra...

Darryl: Sem duvida.

Michael: ...E tantos problemas no passado.

Darryl: A guerra lhe assusta?

Michael: Acredito que ninguém gosta da guerra. Eu não gosto da guerra, eu gosto da paz. Sou uma pessoa pacífica.

Darryl: Você já pensou alguma vez em ser embaixador ou algo semelhante? [...] Você pleiteou alguma vez ser uma espécie de embaixador?

Michael: Sinto que isso é o que eu sou através da minha música e faço algo com ela. Porque é algo que rompe barreiras, não é necessário fazer através da política, eu faço através da musica: rompe as barreiras da linguagem e de qualquer tipo, chega a todas as raças, a todo o mundo e é uma alegria ver jovens na Índia, ou em qualquer outro país, que conhece a música.

Darryl: Bem, a última pergunta... é sobre a turnê. Obrigado por seu tempo. Por quê você decidiu começar sua turnê mundial no Japão... e não com seus fãs dos E.U.A. existe a possibilidade de lhe ver aqui, antes que termine o ano?

Michael: Bem, se você recorda, toda a Victory Tour aconteceu nos E.U.A. e o resto do mundo não teve a oportunidade de assistir. Então, para ser justo, eu achei melhor ser assim, porque o show terá melhorado muito para quando chegarmos aqui.

O pior para mim, pessoalmente, é o show de abertura, porque todavia não está totalmente perfeito e... é um assunto para o meu gerente [Frank Dileo] e as pessoas que trabalham comigo, aonde decidem que eu faça, se eu gosto de estar ali, e eu gosto do Japão, eu estive lá antes.

Darryl: Não lhe dá certo medo em sair em turnê solo pela primeira vez?

Michael: Eu tenho feito muito trabalho solo, quando era pequeno, com 13 anos, álbuns solo, apresentações solo na televisão... este solo é outro passo a mais. Claro, sempre pode pensar:” Não vejo o Marlon a minha direita, não sinto Jermaine ao redor, não...” você sabe.

Darryl: Claro.

Fonte: O livro ''As várias faces de Michael Jackson'' de Marcílio Costa da Silva