Um gênio entre nós (01)


"Michael Jackson alterou fundamentalmente os termos do debate sobre a música afro-americana. Ele era um gênio cor de chocolate, com cara de querubim com uma auréola afro-americana. Ele era um garoto capaz de incorporar todas as altas possibilidades e as tristezas profundas que cercaram a psique afro-americana.

Para a América, perder isso é perder o fato de que Michael Jackson argumentou contra as entranhas muito profundas da supremacia branca na cultura da política americana.

A realidade é que a humanidade de Michael Jackson é tão profunda, as implicações e interferência de sua arte tão monumentais e magnificamente globais, que a televisão americana nada poderia fazer para manchar seu caráter. Jamais poderia, se quiser negar o legítimo gênio que ele representa.

Ele realmente fez esculpir na estratosfera da cultura popular e música norte-americanas um nicho único, por assim dizer, porque ele era capaz de unir tanto das tradições vernáculas da música afro-americana com tecnologia de vanguarda.

Pense nisso, com a idade de seis e sete anos, ele já entendia a genialidade de um Jackie Wilson. Ele articulava e dominava os movimentos de dança. Ele compreendia a genialidade de um James Brown.

Mas se você perguntasse a Michael Jackson no final dos anos 60, antes mesmo de 10 anos de idade, sobre qual seria seu grupo favorito, seria o Delfonics, da Philadelphia - especialmente o vocalista William Hart. 

Essa é uma parte do esoterismo musical geralmente não conhecida por pessoas fora do anel viário da música negra e, ainda assim, este garoto de 10 anos de idade já compreendia a genialidade de um William Hart e usava algo disso, a intensidade de melodia e harmonia, e os projetava para o mundo.


Então, sim, ele fez isso. E ele também era capaz de preencher o fosso entre negros, brancos e latinos. Ele reuniu diferentes dimensões da religião. Ele trouxe os seres humanos todos juntos, através do acesso das raças, classes sociais e gêneros.

E ele foi extraordinário. Lembre-se, ele foi o primeiro artista negro a ser tocado na MTV. Então, ele quebrou a barreira racial de uma forma interessante pela força de sua música e pela velocidade e intensidade de seu gênio, que chega até nós em todas as dimensões.

Ele trouxe Fred Astaire e a dança da rua em seus próprios passos de dança. E ele também projetou um personagem maior que a vida, que era Sammy Davis, Jr., amplamente reconhecido como o maior artista de sua geração, e o levou para o próximo nível.

Você teria que voltar para a história musical e encontrar alguém como Mozart, que tinha quatro ou cinco anos e já compunha um trabalho extraordinário.

Chopin seria uma analogia para um Michael que tão cedo compreendeu sobre como seria a sua vida, traçar o seu caminho e nele permanecer por quase 50 anos. Quero dizer, com certeza, 45 bons anos de sua vida foram gastos em devoção à sua música.

Não era simplesmente o fato de que foi ele tinha um gênio inato que Deus lhe deu. Foi também a capacidade de aprimorar esse gênio. Um gênio que trabalha duro em seu ofício, esse era Michael Jackson. E ele nos mostrou a evidência do que poderia ser, mas também a vulnerabilidade.


Afinal, ele suportou uma enorme tragédia, tanto em casa com a sua própria vida familiar. Ele suportou enquanto ele ficava mais velho e sua voz e pele começaram a mudar. E ele passou por transições enormes em termos de seu próprio físico. 

Mas apesar de tudo, eu acho, a nota de graça, se quiser, foi o fato de que ali estava um homem que era extremamente vulnerável à influência ao redor dele, infantil, no sentido destrutivo e construtivo da palavra, mas também, em última análise, ligado a um público com o qual ele falava diretamente aos seus corações.

Eu o vi em concerto, por exemplo, quando eu era um estudante de graduação na Universidade de Princeton, nos anos 80. 

E ele uma figura extraordinária, era capaz de tocar os corações das pessoas que estão ouvindo e também fazê-las sentir que ele estava intimamente envolvido com elas, assim como ele tinha esse grande grande espetáculo no palco.


Eu acho que era a vulnerabilidade que levava as pessoas até ele. Foi o gênio da música e a ressonância da sua vulnerabilidade humana que, penso eu, em última instância, lhe permitiu tocar os corações, para que a música continuasse a fazer parte da paisagem. O que vai ficar como um monumento à sua incrível genialidade será a grande diversidade e o poder da música que ele fez.

Sua voz com a idade de 10 era como uma conjuração das ambições das almas dos negros nos Estados Unidos e, de fato, os seres humanos que sofreram em todo o mundo, como podemos imaginar. E então, como um adulto, ele era capaz de ter uma vulnerabilidade que ressoava com milhões de pessoas ao redor do globo.''

Michael Eric Dyson
*Escritor e professor de Sociologia na Universidade de Georgetown (E.U.A.).
*Eric Dyson conheceu Michael Jackson durante o funeral do advogado Johnny Cochran, em 2005.
*Matéria traduzida e editada a partir de uma entrevista.

Fonte: http://open.salon.com