Depoimento de Maryam Ismail


"Era uma tarde quente de verão, em um sábado em Harlem, New York. Eu era então uma menina de cinco anos num dia de folga com a minha mãe. Ela dançava no Teatro Apollo no Harlem, que era - e ainda é - a casa espiritual da música negra americana, e era a sua segunda casa também. Ela simplesmente não conseguia ficar longe.

Meu pai era diferente, ele gostava de ficar em casa, então minha mãe sempre me levava com ela. Quando chegávamos lá, fazíamos as rondas, primeiro pelos bastidores, depois pegávamos os refrescos, e depois íamos para o centro da fila da frente. Esse era o nosso lugar.

Foi lá que eu vi todos eles: Chi-Lites, The Stylistics, Gladys Knight and the Pips, The Delfonics, James Brown, e outras estrelas que a maioria das pessoas com menos de 40 anos não conhece. A minha mãe conhecia quase todas as estrelas R & B dos anos 60 e 70.

Naquele dia, para nossa viagem a partir de Newark, New Jersey, pegamos dis ônibus e dois comboios. Fui um pouco lenta, seguindo a minha mãe para fora do ônibus, e fiquei presa entre as portas.

′′Pegue minha mão. Vou te puxar para fora", gritou minha mãe. Pensei mesmo que ia morrer, mas ela me tirou de lá antes que o ônibus partisse novamente.

Foi um dos dias mais assustadores da minha vida, mas essa não é a única razão pela qual nunca vou esquecer. Saindo do metrô conhecemos esse cara que andava sozinho, quando nos aproximamos do Teatro Apollo, na 125th no Harlem.

′′Nos vemos mais tarde", eles disseram um ao outro, depois de se falarem brevemente, e continuámos a caminho. Não pensei em perguntar quem ele era; a minha mãe conhecia tanta gente. Eu também amava o Apollo. Andando debaixo da marquise, adorava olhar para a Calçada da Fama, um panorama de todos os artistas que lá atuavam desde os anos 1940.

Os Jackson 5 eram novos então. Dois anos antes eles ganharam a ''Noite Amadora'' no Apollo, mas ainda tinham de ser ′′ descobertos ′′ por Diana Ross. Nesse dia eles estavam com pouca programação e atuaram no início da noite. Quando a cortina subiu e este grupo de cinco rapazes ficou ali pronto para deslumbrar a multidão, o público parecia mais curioso do que entusiasmado - mesmo quando eles apresentaram o seu breve sucesso, ABC. Quem eram eles?

Não foi até mais tarde naquela noite, nos bastidores, que percebi quem era aquele estranho na rua: Joe Jackson, o patriarca da família. No espaçoso salão dos bastidores encontramos o Sr. Joe novamente. Ele estava com aquelas crianças no palco. ′′Ei, quero que conheça alguém", disse ele.

A seguir, veio aquela criança com um enorme penteado afro. Ele tinha mudado a camisa branca com as longas lapelas pontiagudas para uma gola alta marrom solta e dourada, dois tons mais claros que a sua pele morena.

Tomando alguns pulinhos antes dele pousar nos degraus onde eu estava sentado, ele falou sem olhar diretamente para mim, como os meninos frequentemente fazem com as meninas:

''Olá, como é que está?"

′′Olá... olhe para isto."

Ele saltou três degraus de cada vez. Não fiquei impressionada.

''É só isso?"

′′ Não, posso fazer mais do que isso, você vai ver."

E fizemos. O maior homem da música e dança de todos os tempos, talvez o maior artista de todos os tempos. Acho que é o que mais me lembro dele. Eu tinha ciúmes da sua sagacidade. Não estou brava, apenas com ciúmes. De todas as coisas pelas quais Michael Jackson ficou famoso, ninguém poderia imaginar a criança que conheci naquele dia. Esse é o menino que nunca posso esquecer.

A única prova de que este outro Michael alguma vez existiu é no desenho animado da TV Jackson 5, onde ele estava sempre a tentar entrar em ação, e os seus irmãos mais velhos estavam sempre a expulsá-lo com: ''Isto não é para ti, fedelho.''

Vocês conseguem ver a ironia disso?

Quando estava na hora de ir naquele dia aos bastidores do Apollo, ambos dissemos: ′′Até logo." Então ele acenou e desapareceu. Nunca mais o vi."

Por Maryam Ismail (colunista do The National)

Fonte: Perspectives on MJ