Será que estamos perdendo Michael Jackson de novo?


Um texto escrito pela acadêmica Elizabeth Amisu

''A partir da fortaleza alemã de Ehbreitstein para a antiga cidade de Trier e mais além, há um vale sinuoso chamado de Mosel, onde se encontram alguns dos mais belos vinhedos do mundo. As videiras se estendem sobre as portas e ao longo de ruas sinuosas.

As casas dos contos de fadas dos Irmãos Grimm são enfeitadas com caligrafia ornamentada. Elas me lembram o rancho Neverland.

A lição que aprendi com Michael Jackson: estude absolutamente tudo e a todos. Não existe tal coisa como informação inútil. Ouvir e aprender sempre. Cultive uma sede de conhecimento e a alimente. Com esta curiosidade eu falei com uma enóloga local para saber acerca do seu patrimônio único [vinhos].

Ela me ensinou sobre a relação entre as vinhas e o vale, os vinhedos e os produtores de vinho, sobre o patrimônio simbiótico do lugar. Ela teve a graça de uma estrela clássica de Hollywood e uma sabedoria que só poderia ter adquirido com anos de experiência.

Ela me contou como cada elemento do processo de vinificação se harmoniza em um todo: o ser humano toma da natureza que, por sua vez, devolve a floresta que circunda o vale. Ela explicou que a presença dos turistas na região gera uma renda que ajuda a preservar o meio ambiente.

Você pode se perguntar o que isso tem a ver com a música popular e a maestria de Michael Jackson. Bem, a arte de Michael Jackson, assim como a cultura da vinificação neste lindo vale, estão ambos em sério risco.

Novas gerações de vinicultores estão optando por deixar o que é uma empresa familiar não tão lucrativa com centenas de anos de história, muitas vezes, porque não pode fazer face às despesas.

Eu não podia ajudar, mas sinto um paralelo com as palavras as quais Michael Jackson falava sobre as músicas que ele fazia e os videos que produzia.

Ele era realmente o autor de toda a sua obra - suas performances ao vivo [e como elas eram apresentadas em frente às câmeras], seu figurino, aparência e mensagem de amor e esperança.

De Ben para Cry, Michael Jackson construiu um intrincado cânone que está agora em perigo. Os curtas-metragens que ele criou meticulosamente estão sendo reapropriados aos poucos, extraídos do seu contexto original diante dos nossos olhos, Seu ativismo e clamores acerca da situação do meio ambiente, dos pobres e doentes, das crianças ''sem voz'' já estão se perdendo entre a multidão.

E se passaram apenas cinco anos desde que ele partiu.

Nós, os sonhadores, os pensadores, os acadêmicos e os visionários, a quem Michael Jackson deveria importar, corremos o risco de perder de vista exatamente sobre como ele era um autor, diretor, compositor e poeta. Especialmente sobre a maneira como ele canalizava suas experiências pessoais e amor genuíno pelas pessoas em ambos, na arte e nas obras de caridade. Isso está se tornando, muitas vezes, a 'faixa bônus', quando deveria ser o ponto principal.

Será que já nos esquecemos que Michael Jackson era muito mais do que a sua lucrativa marca global? Já viramos de um ativista e humanitário [por inspiração] de Mandela e Lennon para uma marca como McDonalds e Starbucks?

Ou será que estamos no caminho para fazê-lo, reduzindo as contribuições de Jackson e saturando o mercado com mixagens e lançamentos que não agregam nenhum peso e significado à mensagem de Michael Jackson?

Como um bom vinho, o trabalho de Jackson foi preservado em uma forma quase atemporal. Nós nunca teremos que imaginar ou perguntar aos outros sobre como ele girava ou planava, ele conscientemente preservava essas performances e sempre com uma mensagem de que nós poderíamos nos tornar melhores, viver melhor.

Nós nunca teremos que perguntar a ele sobre o que ele pensava ou como ele se sentia, porque ele se imortalizou também em álbuns e curtas-metragens, entrevistas e letras de músicas.

Mas se não tomarmos o tempo para preservar um grande corpo de trabalho como o de Michael Jackson, é provável que a gente vá perder a ele. Como diz a música, "O tempo não espera por ninguém'' e o tempo tem uma maneira estranha de filtrar o pior, assim como o melhor.

Alguns tentarão e já estão tentado reescrever a história, mesmo que Michael Jackson já o tenha feito. Eles descontam e desvalorizam a sua contribuição como um dos mais incríveis artistas da nossa época. Ele simboliza o melhor em nós, enquanto os maus tratos [que ele sofreu] simbolizam o pior em nós.

Tudo o que resta é que nós, aqueles que fazem a arte e escrevem o discurso, não devemos deixar o real Michael Jackson se perder novamente. Esta é a nossa responsabilidade. Nós somos os verdadeiros guardiões e temos de encontrar o nosso próprio caminho para preservar a verdade da arte de Jackson para as gerações futuras.

Há apenas um punhado de livros [aproximadamente 10] bem pesquisados e publicados, focados no impressionante corpo de trabalho que Michael criou em sua vida. Não havia nenhuma nota antes de sua morte, apesar de que Thriller já tinha vinte e cinco anos de idade em 2007.

De forma chocante, poucos daqueles que já existem [5] são publicados em massa, o que significa que somente fãs obstinados e determinados - e acadêmicos - podem experimentar a todos.

No outro lado da balança existem milhares de tabloides e livros inspirados em tabloides e centenas de artigos em diversos idiomas baseados solidamente em mentiras.

O corpo de trabalho de Jackson, seu "presente para nós" deve ser tratado como um cânone artístico. Qualquer acadêmico de valor irá lhe dizer que este cânone deve ser tratado com estima e ser mantido intocável.

Da mesma forma, devemos ter cuidado para não elevar Thriller acima de Invincible ou esquecer de Stranger in Moscow no nosso louvor a Billie Jean.

Se não encontrarmos a nossa própria maneira de preservar e reverenciar a grande arte de Jackson, assim como a verdade e os sentimentos por trás dele, assim como a importância de se preservar as tradições vinícolas, certamente ela vai morrer. Nós ainda podemos perder o presente que nos foi dado.''

*Editado e traduzido por este blog a partir do texto ''Ouvi nas videiras - estamos perdendo Michael Jackson de novo?'' de Elizabeth Amisu.

Elizabeth é uma estudiosa pós graduada em Inglês Moderno e Literatura pelo Kings College London. É seu objetivo trazer mais ampla atenção a Michael Jackson como artista, criando um modelo acadêmico para o estudo de sua arte. 

Fonte: http://elizabethamisu.com