''Era sábado. Saímos para jantar em um conhecido restaurante italiano de Salvador. No percurso notei que quase todas as rádios tocavam músicas de Michael Jackson, numa homenagem espontânea ao rei do pop, falecido inesperadamente na quinta feira.
No restaurante italiano, o som ambiente também homenageava Michael Jackson. Imaginei que os bares da cidade, sem exceção, estariam executando naquele momento as músicas do ídolo norte-americano e me programei para participar daquela homenagem ainda naquela noite.
Após jantar no restaurante italiano do Caminho das Árvores, nos dirigimos intuitivamente para os arredores do Olodum, no Pelourinho, o bairro de Salvador que em definitivo incorporou a imagem de Michael Jackson, a boemia, o cult e a arte pop da Bahia.
Naquele tradicional reduto histórico e boêmio os bares são muitos. Entramos no primeiro, onde a acomodação se mostrou mais fácil. Era uma espécie de pub. Algumas mesas, todas ocupadas. Acomodamo-nos em bancos de frente ao balcão.
No ar, certo silêncio, incomum para um barzinho de dimensões limitadas, onde se reuniam mais pessoas por metro quadrado do que permitia o espaço. Ao fundo, uma banda repousava também silenciosa, pois nos quatro cantos do bar TVs de plasma passavam o clipe da música Happy, comovendo ainda mais aquele unhappy público.
Não gosto de beber uísque, mas aquela noite sugeria algo mais forte. Ao lado, no mesmo balcão, um casal jovem dividia os olhares entre a TV de plasma e a enorme bebida que sorviam de dentro de um imenso abacaxi.
Eu não estava ali para conversa e entre um clipe e outro me limitava a decifrar as conversas e impressões alheias: “um gigante no palco, um revolucionário na arte de compor musical, o Fred Astaire do nosso tempo, maior recordista em venda de discos de todos os tempos, eterna criança, pagou caro pelas excentricidades, entrou para a galeria dos ícones, como Elvis Presley, John Lennon, Marilyn Monroe ...”
O contrato da bandinha deve ter sido anterior à notícia do falecimento de Michael Jackson. Por isto, em determinado momento ela entrou em cena, talvez para justificar o seu cachê. E, lógico, antes do forró com o qual pretendia sacudir a tristeza, fez a sua homenagem particular com You Are Not Alone, num sofrível inglês. Depois disto, iniciou um repertório, evidentemente junino e bem selecionado, pois estávamos entre o São João e o São Pedro.
A poesia e o balanço das músicas de Dominguinhos, Alceu Valença, Elba Ramalho e Zé Ramalho, no entanto, não foram suficientemente fortes para afastar a tristeza. Poucos casais arriscavam-se na pequena pista de dança e os clipes voltaram.
Ao meu lado, o casal, agora dividindo uma vistosa bebida vermelha, voltava a comentar sobre Michael Jackson. E eu, sutilmente observando as reações alheias, vi discretas e silenciosas lágrimas da garota derramarem-se sobre o balcão. Não era mesmo noite para forró nem para grandes alegrias, apesar do apelo junino e da alma nordestina.
Voltamos para o carro e,enquanto eu dirigia para o bairro de Brotas, a minha radio preferida atacava com a sensível Cry, do próprio Michael. Um trecho de Cry diz “e se todos chorarmos na mesma hora hoje à noite?...”. Não posso negar minhas lágrimas.''
Ygor da Silva Coelho [integrante do Olodum, bloco afro de carnaval que participou na gravação do vídeo TDCAU de Michael Jackson.)
Fonte: MJBeats