''É um momento de tristeza. Michael Jackson era extraordinário. Não que fosse fã das suas músicas. Gostava do Jackson Five, do soul. Quando ele ficou mais pop, começou essa onda do Thriller, passei a não curtir tanto.
Não é a minha. Sou mais blues, bossa nova. Mas Michael Jackson sempre me fascinou e intrigou. Pela história de vida dele. Acho que, em nenhum momento, Michael teve o direito de ser feliz.
Talvez tenha presenciado um de seus raros instantes de felicidade: o encontro com o Olodum, em Salvador, em 1996. Ali, no Pelourinho, ao som dos tambores, vi um menino brincando. Dançava e pulava eufórico. Tenho certeza de que aquele momento ficou marcado para sempre na vida dele. Acho que ele era uma pessoa em busca de serenidade.
Felicidade, ele sabia que não encontraria. As luzes do palco não bastaram para iluminar um sofrimento tão visceral. Se pensarmos na história dele, em tudo o que viveu. Um menino negro nos Estados Unidos naquela época, sem direito a infância, maltratado pelo pai.
Li que ele tinha tanto pânico do pai que vomitava quando ele se aproximava. Michael foi massacrado, alvo de ataques, muitas mentiras foram ditas a respeito dele. O processo de embranquecimento, por exemplo. Com certeza, começou com o vitiligo. Não foi opção. Eu vi. Toquei na pele dele. Havia poucos pontos negros no braço dele.
Nos conhecemos em Salvador, quando ele encontrou o Olodum. Não queria dar entrevista. Mas quando viu que as pessoas me reconheciam na rua, quis me conhecer. Marcamos de nos encontrar no Morro Dona Marta, no Rio.
Ele passou 15 minutos sentado comigo numa laje, conversando. Eu é que fui entrevistada. Michael queria saber como uma negra, pobre, tinha conseguido trabalhar como repórter da principal emissora do país e fazer sucesso.
Me ouviu com humildade, o maior interesse. Foi um momento especial, um dos mais marcantes da minha vida profissional. Espero que Michael, enfim, tenha encontrado a serenidade.¨
Glória Maria (repórter TV Globo)
Fonte: Globo.com Redação Correio