''Soul Translator''


''Não se mede um músico pela complexidade das estruturas musicais que ele cria, muito menos pela dificuldade na execução de suas obras. É bem verdade que existem muitos maníacos da virtuose (virtuose é o que se chama de masturbação musical, onde o maior número de notas musicais despejadas por segundo conferem mais ou menos qualidade ao artista. Isso acontece bastante em bandas de Metal Melódico, vide Angra) que se excitam ao ouvir os mais rápidos dedos do mundo nos teclados, nas guitarras, enfim, transformando seus instrumentos em metralhadoras de notas musicais.

Também não se pode ficar no campo da crítica e dizer que tudo o que é feito assim é ruim. Como se diz por aí: “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa...” Cada estilo se presta ao seu público, e se presta a levar o sentimento envolvido num ou noutro tipo de canção, só o bom gosto (e esse conceito é mais do que pessoal e intransferível) pode definir o que “cai bem” e o que não “cai bem” dentro de uma música.

Introduzi o assunto dessa forma para comentar o tipo de construção que Michael Jackson usa. Na minha modesta opinião, genial. Haja vista que Billie Jean, por exemplo, que é uma das músicas mais executadas nesse mundo (Ah! Olha só! Eu tenho um amigo aqui em Porto Alegre, dono de uma rádio muito famosa na década de oitenta. Ele me disse que a única vez que viu um disco realmente “furar” em sua frente, foi executando Billie Jean. A música tocava tanto na época que era comum se trocar de estação e encontrá-la tocando em mais de uma ao mesmo tempo.), mas como eu ia dizendo, esta, que é uma das músicas mais executadas nesse mundo, não tem mais do que meia dúzia de acordes.

Não se pode deixar que se faça com a música o que se fez com a ciência, onde a complexidade do problema é mais valiosa do que realmente algum questionamento útil que este problema venha a resolver. Muitos dizem que música é matemática. Olha... No fundo tudo é matemática nessa vida, mas eu nunca me arrepiei resolvendo um polinômio... Ouvindo música, isso sempre acontece. Música é sentimento, e deve traduzir o que a alma não consegue dizer.

As pessoas deveriam ter a noção de que a dificuldade em se construir uma boa música, assim como Michael o faz tão brilhantemente, vêm da imprescindível capacidade de traduzir a alma, e não de colocar o maior número de notas dentro de um pedacinho de compasso.

Para ser mais prático, vou utilizar um dos meus velhos exemplos... Você acha realmente que, para compreender o sentido de uma canção como Will You Be There, você precisa ler, traduzir e compreender a letra? Sou só eu que sou meio maluquinho ou já dá para sentir tudo só na melodia, na harmonia e na colocação da voz de Michael?

Claro que dá... Feche os olhos e ouça... Está tudo ali... O sentimento de solidão, de carência, de agradecimento a alguém que é importante, que é um porto seguro, a falta que esse alguém faz na vida, a vontade de nunca deixar esse alguém se ir. Não se precisa da letra. Se você coloca o instrumental de uma música como essa no seu aparelho de som e fecha os olhos, pode até não qualificar as coisas como eu coloquei acima, mas com certeza seu coração te fará pensar em coisas parecidas. Faça o teste!

O amor, o ódio e todos os sentimentos saem da mente de Michael em forma de notas musicais. Se for um sentimento que mereça muitas notas, ele coloca, se não for, pode fazer uma música de uma nota só, que ainda assim será fiel ao que ele queria. Esta é a dificuldade em se fazer música, transformar algo subjetivo e intangível em algo sonoro e compreensível, a música. Ser um “tradutor da alma” não é para qualquer um...

Por Dayan Blue

Fonte: MJBeats